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quarta-feira, 31 de março de 2021

CÓRREGO DAS ALMAS: UMA TRAGÉDIA HISTÓRICA NA MINERAÇÃO DO OURO EM MINAS GERAIS!

 BLOG RIO PRETO NOUTROS TEMPOS - por Rodrigo Magalhães*



A história da cidade de Rio Preto, sita na zona da mata mineira, na sua origem, é a história das catas de ouro pelos ribeirões e córregos que cortavam a região montanhosa dos matos gerais dos índios Coroados. É uma história sobre a qual sobram mitos e, com relação aos primórdios, os fatos realmente conhecidos são poucos.

Há, todavia, uma impressionante tragédia ligada à fase da corrida do ouro por essas paragens, que mereceu registro na História Regional do Brasil. Trata-se de um episódio que a tradição oral local denomina de O Córrego das Almas. Essa trágica anedota teria ocorrido no final dos anos 1700, logo após os colonizadores terem descoberto ouro em grande quantidade no rio Preto, no exato local onde havia surgido a povoação chamada à época de Presídio do Rio Preto.

Descendo o rio Preto, nas proximidades do local denominado Porto dos Índios, esses mineradores começaram a ocupar uma porção de terras situadas um pouco acima da foz de um ribeirão, onde os índios Coroados indicaram que havia “pó amarelo” (ouro). Começa então uma corrida para se minerar no curso d’água chamado de Ribeirão Conceição, desde a sua nascente, passando pelos ribeirões Santa Delfina e Sant’ Anna, que nele deságuam, até a barra no rio Preto.

Conta-se que, com o tempo, perceberam que em um pequeno córrego situado nas proximidades do ribeirão Conceição, era grande a quantidade de lavras de ouro a serem exploradas. A notícia rapidamente teria se espalhado, dando início a uma intensa corrida pelo ouro, mobilizando centenas de mineiros que, mal o sol despontava, encaminhavam-se com seus escravos (indígenas e africanos) para o córrego resplandecente e amontoavam o lugar.

Lavras de céu aberto

Concentraram-se, então, quase todos naquele local específico, onde iniciaram uma exploração desenfreada. E quando o ouro começou a se esgotar no córrego, cuja mineração se processava com a bateia, os mineradores passaram a usar a mineração nas serras e nos morros das proximidades, onde se encontravam os veios auríferos. Passaram a praticar, assim, a arriscada mineração de céu aberto.

Para atingir o veio aurífero, retiravam montes de terra que o recobriam, protegendo as ribanceiras com madeiras usadas como arrimo, a fim de poder atingir o fundo sem perigo. À medida que penetravam em profundidade, eles eram obrigados a alargar as bordas dessas imensas escavações, cujas jazidas, costumeiramente tinham apenas alguns decímetros. Com o aumento do espaço vazio, ocorriam frequentes e perigosos desabamentos.

De acordo com a tradição oral regional preservada por esses mais de duzentos anos, a mineração ali somente teria terminado em decorrência de um desses desabamentos, um trágico acidente que teria vitimado dezenas de pessoas.

Assim registrou esse desastre de grandes proporções na obra História Regional do Brasil, o riopretano doutor Henrique Furtado Portugal, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais:

“A tradição oral informa que a mineração de ouro terminou por minguarem os veeiros e por um acidente trágico que enterrou mais de 200 homens, entre brancos, índios e escravos num grande fosso escavado às margens de um pequeno córrego, afluente da margem esquerda do ribeirão da Conceição, pequeno e atrevido curso d'água que passou a ser chamado 'Córrego das Almas', muitos se benzem quando por ali transitam, principalmente à noite”.

E desta maneira surgiu, a partir desta hecatombe, uma das lendas mais duradouras da história da mineração do ouro no Vale do Rio Preto!

* Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano!

quinta-feira, 11 de março de 2021

Viscondessa do Monte Verde: a única mulher a receber esse título nobre em Minas Gerais!

Bolg Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*



 Viscondessa do Monte Verde- pintura a óleo, datada de 1862, de autoria de Rocha Fragoso,
um pintor bem-sucedido da Corte, retratista oficial do Conde D'Eu.
Quadro do Acervo da Matriz de N. S. dos Passos de Rio Preto/MG.


A cultura do café marcou um período de prosperidade e crescimento na história do município de Rio Preto/MG, sendo considerado como o apogeu econômico e político da região. Surgiram nessa época os “Barões do Café” no Vale do Rio Preto, local que, certamente, abrigou uma das maiores concentrações de aristocratas rurais de todo o Brasil Império, onde essas designações de fidalguia aportaram no século XIX.

Os cinco principais títulos de nobreza formavam uma escadinha hierárquica que obedecia à seguinte ordem, a começar do mais poderoso: duque, marquês, conde, visconde e barão.

No total, 1.211 títulos de nobreza foram distribuídos no país. Desse universo, interessante observar que apenas 26 mulheres foram agraciadas pelo Império brasileiro com o título de Viscondessa, em mais de um milheiro de homens, excluídas as esposas dos titulares, às quais se estendia o título, por hábito de cortesia e de nobiliarquia.

E foi no território do município de Rio Preto que viveu uma dessas importantes mulheres brasileiras do século XIX, onde ela possuía propriedades rurais e casas na cidade, a qual legou uma suntuosa igreja Matriz. Ela se chamava Maria Thereza de Souza Fortes, Viscondessa de Monte Verde - a única mulher que recebeu tal titulação dentre todas da então província de Minas Gerais!

Biografia

Maria Thereza de Souza Fortes nasceu no final do século XVIII (provavelmente em 1790), no município de São João Del-Rei, filha de membros de abastadas famílias mineiras. “Sou nascida e baptizada na Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de São João-Del-Rei”, declarou em seu testamento.

A mãe, Ana Teresa de Mello Almeida Souza Menezes, era portuguesa, da freguesia dos Anjos da cidade de Lisboa, filha do Comendador Luiz de Souza Brandão Menezes e D. Felipa Antonia Mello de Noronha Almeida, da freguesia da Encarnação da cidade de Lisboa.

O pai, doutor Luís Fortes de Bustamante, foi o primeiro Guarda-mor de Rio Preto, em 1798. Coube a ele a importante função de distribuir as pioneiras “Datas e Sesmarias” em território riopretano. Mas em fevereiro de 1800 foi promovido, e a Guardamoria da então povoação do Presídio do Rio Preto passou a ser ocupada por seu irmão, Francisco Dionísio Fortes de Bustamante.

Em 1803, doutor Luís Fortes já ocupava o cargo máximo de Capitão-mor da província de Minas Gerais, em São João Del-Rei, sendo a autoridade responsável pela provisão de cargos e ofícios, por exemplo, para o posto de Alferes e Cabo das Esquadras, bem como pela execução de leis. E, em 1805, expediu-se um Decreto do príncipe regente D. João “fazendo mercê a Luís Fortes de Bustamante e Sá da serventia vitalícia do ofício de escrivão da Ouvidoria da comarca de Santa Catarina e Rio Grande de Porto Alegre”. Acredita-se que o povoado de Rio Preto passou a ser chamado nessa época de Arraial do Ouvidor, justamente em referência a esse que foi o primeiro Guarda-mor da localidade. Alguns documentos do início dos oitocentos referiam-se ao local como “Arraial do Ouvidor, Termo de Barbacena, Comarca do Rio das Mortes”.

Comendador Thereziano Fortes (s.d.)
Acervo da Matriz de N. S. dos Passos de Rio Preto/MG

Comendador Thereziano

Como era muito comum na época, Maria Thereza se casou com o seu primo Francisco Thereziano Fortes, filho de Francisco Dionísio Fortes de Bustamante, irmão de seu pai. Supõe-se que ele já residia desde 1815 na imponente casa sede da Fazenda Santa Clara, fundada por seu pai nos primeiros anos do século XIX, em Rio Preto, onde essa rica família construiu um verdadeiro império.

Seu sogro e tio Francisco Dionísio é considerado uma das colunas-mestras em que se assentou a fundação da cidade de Rio Preto. Pode-se dizer que ele foi a maior autoridade do então Arraial, logo após a abertura do então Sertão Proibido à exploração e povoamento. Como o maior proprietário de terras da região, as atividades de suas fazendas movimentavam os seus negócios, trazendo-lhe muita riqueza e, ao mesmo tempo, impulsionavam o desenvolvimento da povoação, onde era uma espécie de chefe de polícia e militar, sendo que era o Guarda-mor local e comandante do Quartel do Registro. Com o tempo, tornou-se também o Procurador dos Índios Coroados e o Provedor das Capelas de toda a região do Vale do Rio Preto.

Francisco Dionísio faleceu em 1820. Como filho primogênito, Thereziano herdou a principal fazenda - Santa Clara, onde passou a residir em companhia da esposa Maria Thereza. Thereziano também era revestido de poder por patente concedida, pois “era Capitão do Corpo de Ordenanças da Vila do Têrmo de São João Del Rei, no Pirapetinga do Rio Preto”, e ocupou cargos de destaque na comunidade riopretana. Enriqueceu com mineração no rio Preto e seus afluentes, com herança recebida de parentes abastados e, sobretudo, com o café.

Benfeitor inconteste, ele doou à povoação do Presídio do Rio Preto terrenos, dinheiro para a construção de prédios e mão de obra escrava para outras obras, contribuindo sobremaneira com o progresso da localidade em que residia. Conta-se que a construção da Matriz fora ideia sua, e que para tanto doou 300 arrobas de café que, após vendidas, deu início às obras com o dinheiro arrecadado, em 1835. Além disso, foi ele quem principiou a edificação do suntuoso prédio onde funcionaria a primeira “Casa de Câmara e Cadeia” da Vila do Rio Preto.

Já ostentando o título de Comendador desde 1842, por sua participação saliente na Revolução Liberal, tornou-se a principal personagem de Rio Preto, o Arraial que ele muito contribuiu para ser elevado à cidade, em 1844, tendo sido o seu primeiro intendente municipal (prefeito).

Thereziano faleceu repentinamente Comendador, antes de ser agraciado Barão ou até mesmo Visconde, em 1854, durante uma viagem à sua terra natal, São João Del-Rei, onde foi sepultado. E, assim, não se cumpriu o seu desejo deixado em testamento de ser sepultado em Rio Preto: “(...) se morrer nesta Fazenda (Santa Clara), quero ser enterrado no cemitério da mesma onde já tenho o lugar marcado, sendo meu corpo envolto no habito de Sam Francisco de Paula”.

Os gêmeos

Consta no Livro de Tombo nº 01 da Parochia da Matriz de N. S. dos Passos de Rio Preto, que o Rev. Padre Manoel Mendes Lopes, “a 3/3/1834 batiza: Francisco e Antônio, gêmeos, filhos do capitão Francisco Thereziano Fortes e de D. Maria Thereza de Souza Fortes. Foram padrinhos do primeiro: João Pedro Medeiros e sua mulher, D. Joanna Hedovirges de Medeiros, por procuração que apresentou Carlos Theodoro de Souza. Do segundo, foram padrinhos Carlos Theodoro e sua mulher, D. Izabel Henriqueta Fortes.”

Entretanto, menos de dois anos após serem batizados, aos oito de janeiro de 1836, os gêmeos Francisco e Antônio faleceram, com tenra idade (“ainda inocentes”), e as causas das mortes são desconhecidas. É o que consta no Livro de Óbitos de Rio Preto (1833-1848). Depois dessa tragédia familiar, Maria Thereza nunca mais teve outros filhos.

Matriz de N. S. dos Passos de Rio Preto/MG
Acervo do Museu Regional de Rio Preto

Matriz Senhor dos Passos

Com a morte precoce do Comendador Thereziano, em 1854, a viúva dona Maria Thereza necessitava de auxílio para administrar os mais diversos negócios da Fazenda Santa Clara, especialmente aqueles relacionados ao café. Por essa razão, algum tempo depois apareceu em Rio Preto o doutor Gabriel Ploesquellec de Bustamante, seu sobrinho e afilhado que acabava de chegar da Europa, trazendo da Universidade de Coimbra o diploma de Bacharel em Direito. Assumiu logo a direção dos negócios da Santa Clara, inclusive a administração das obras da Matriz Senhor dos Passos, na vila do Rio Preto, onde residia na “Casa da Cidade” da sua tia.

Foi assim que ocorreu a execução do ambicioso projeto de seu finado marido, quando então a viúva Maria Theresa continuou as obras da majestosa igreja, doando mais dinheiro e várias arrobas de café. Foi ela quem contratou José Maria Vilaronga Y Panella, arquiteto catalão (natural da Catalunha, província espanhola) recém-chegado da Europa, para dar prosseguimento às obras da nova Matriz, que foi inaugurada em meio a grandes festividades, no dia 26 de setembro de 1860.

Casa de Câmara e Cadeia da Vila do Rio Preto/MG
Acervo do Museu Regional de Rio Preto

Os escravos

Dona Maria Thereza certamente presenciou muitos escravos sendo castigados e torturados ao longo dos anos vividos na Fazenda Santa Clara. Afinal, nos porões situados logo abaixo de um dos salões da casa sede, onde os proprietários faziam as suas principais refeições, situava-se o temível calabouço, uma espécie de prisão com diversos instrumentos de torturas, com capacidade de abrigar até duzentos cativos. Isso porque algumas citações estimam que as senzalas da Santa Clara abrigaram mais de dois mil escravizados.

Por outro lado, conta-se que dona Maria Theresa, logo após a inauguração da Matriz, mandou alforriar todos os escravos que trabalharam na construção e ordenou que soltassem todos os animais que prestaram serviço, e ainda teria dado, nos limites da Fazenda Santa Clara, nas paragens do Boqueirão e do Taboão, diversos pedaços de terra a estes escravos.

Sendo verdade essa parte da história preservada pela tradição oral, podemos constatar que dona Maria Thereza soube reconhecer todo o sacrifício e o esforço sobre-humanos desempenhados por seus escravos durante os 25 anos de intenso trabalho a fim de edificarem, à custa de seu suor, esse gigantesco templo que até os dias atuais é reconhecido como uma das maiores e mais belas igrejas de toda a região.

Mais do que isso, há outros documentos que sugerem que a Viscondessa do Monte Verde dispensava um tratamento benevolente para com alguns de seus escravizados. Nesse sentido, corrobora o que consta em seu testamento, em que a mesma declara que “(...) estando em estado de saúde e perfeito juízo, (...) em disposição de dever e de última vontade (...) deixo liberto os meos escravos...”, descrevendo nominalmente 14 cativos de sua propriedade, aos quais ainda deixou a “gratificação de cem mil reis a cada um”, junto com a carta de alforria.

Por fim, o fato de a Viscondessa do Monte Verde ter escolhido para escrever o seu testamento o padre João de Souza Godinho também demonstra que a mesma, de fato, não levara em conta a cor da pele da pessoa na qual confiou redigir o documento mais importante de sua vida, uma vez que o referido reverendo de Rio Preto era negro, caso raro no Brasil Império.

"Palacete da Baronesa" (principal da Casa da Cidade de D. Maria Thereza).
Doada pelo Barão de Santa Clara para funcionar como o primeiro hospital local.
Santa Casa de Misericórdia de Rio Preto/MG

O caso Manoel Pereira

Manoel da Silva Pereira Júnior era português. Chegou a Rio Preto em 1832, aos 17 anos de idade. Empregou-se nas fazendas da família Fortes, onde aprendeu com os antigos escravos mestres de ofício as profissões de marceneiro, ferreiro, pedreiro e maquinista. Dotado de uma inteligência superior, rapidamente tornou-se o administrador da Fazenda Santa Clara.

Em 1842, casou-se com Maria Ignácia e, ainda pobre, se mudou para as terras de seu sogro, vizinha da Fazenda Santa Clara. Com muito trabalho, conseguiu comprar as terras a seu sogro, fundou a Fazenda Pirapetinga e em poucos anos se tornou um dos maiores fazendeiros da região. Tornou-se uma figura de destaque em Rio Preto, onde fundou o Partido Liberal junto com os seus patrícios que, em meados do século XIX, já dominavam a lavoura e o comércio na cidade.

Em 1850 o candidato liberal apoiado por Manoel Pereira foi o mais votado nas eleições municipais e, no ano seguinte, assumiu a presidência da Câmara e a Intendência (prefeito) – o major Luiz José de Souza e Silva, fato que desagradou sobremaneira a toda família Fortes, principal liderança do partido Conservador em Rio Preto, onde desde 1844 dominavam sem adversários a política local.

Pereira era um visionário e, visando o progresso e o desenvolvimento da região, projetou uma estrada margeando o ribeirão Pirapetinga, sempre em linha reta, a fim de encurtar a distância entre Bom Jardim de Minas e o Rio de Janeiro. Após autorização dos governos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, iniciou os trabalhos. Mas, já no segundo dia foi covardemente agredido e ameaçado de morte. Membros da abastada família Fortes, seus antigos patrões (agora seus adversários políticos), não concordaram com a construção da estrada do Manoel Pereira, opondo-se de todas as maneiras possíveis ao projeto e impedindo que esse caminho passasse por suas terras. Para esse fim, usaram de vários expedientes criminosos, como afundar uma barca utilizada por Manoel Pereira nos trabalhos e até mesmo derrubar uma ponte que já estava pronta e em uso.

Essa acirrada disputa entre Fortistas e Pereiristas arrastou-se por longos anos e foi parar nos principais jornais do país. E como Manoel Pereira vencera na opinião publica, sendo que a maior parte da população regional era favorável a sua estrada, bem como nas instâncias judicias e políticas, o principal auxiliar da viúva dona Maria Thereza – doutor Gabriel, que à época era o Juiz Municipal da comarca de Rio Preto, mandou escravos e capatazes de Santa Clara matar o português liberal, em 20 de maio de 1863, após praticarem uma série de castigos, mutilando vários membros do corpo do português.

Não satisfeitos, os executores amarraram os seus braços e as suas pernas em uma pesada pedra e atiraram o seu corpo no meio do rio Preto. Poucos dias após o sumiço de Manoel Pereira, um viajante viu aflorando das águas do rio, que baixara subitamente, as mãos de uma pessoa. Eram as mãos de Manoel Pereira – “implorando justiça”, dizia o povo! – que se soltaram da corrente.

O processo e julgamento do caso Manoel Pereira foi rumoroso, noticiado e acompanhado por toda a imprensa da Corte. Doutor Gabriel, apontado como o principal mandante do crime, fugiu da Fazenda Santa Clara, a qual a população local ameaçava invadir para vingar a morte do altruísta Manoel Pereira. Do Rio de Janeiro, embarcou para Angola, de onde nunca mais retornou.

Foram presos os escravos e capatazes da Fazenda Santa Clara, executores do bárbaro crime, e coube à dona Maria Thereza pagar pela defesa dos mesmos. Para tanto gastou uma formidável fortuna ao contratar o renomado advogado, jornalista e político, doutor Saldanha Marinho. Além disso, a reputação de sua família se viu extremamente prejudicada na região, também devido à prisão de seu primo e cunhado, o todo poderoso desembargador doutor Antônio Joaquim Fortes de Bustamante, também acusado de ser mandante do assassinato de Manoel Pereira, muito embora o mesmo tenha sido absolvido posteriormente.

Por ordem direta do imperador D. Pedro II, a cidade de Rio Preto foi rebaixada a distrito novamente, devido à repercussão negativa ocasionada pelo cruel assassinato do empresário português. Desde então, a viúva dona Maria Thereza passou a viver em companhia do seu irmão, o Comendador Carlos Theodoro de Souza Fortes.

Primeira residência da Viscondessa do Monte Verde na cidade.
Doada pelo Barão de Santa Clara ao médico Dr. Affonso Portugal.
Acervo do Museu Regional de Rio Preto.

Títulos nobiliárquicos

Em reconhecimento a uma notória contribuição pública, devido à magnificência da Matriz construída com seu próprio dinheiro, aliado à posição de destaque política e econômica de Rio Preto no cenário nacional àquele período, por meio do Decreto Imperial datado de cinco de fevereiro de 1861, Maria Thereza de Souza Fortes foi agraciada com o título nobiliárquico de Baronesa do Monte Verde.

Acreditamos que o nome por ela escolhido faz referência ao Sítio Monte Verde, de sua propriedade, um lugar aprazível de onde se avista a formidável cachoeira que se forma nas proximidades da foz do ribeirão Pirapetinga no rio Preto, em território mineiro, situado a poucos quilômetros da sede da Fazenda Santa Clara.

 Seis anos depois, também por Decreto do Imperador D. Pedro II, datado de dezessete de abril de 1867, a baronesa foi elevada na hierarquia dos nobres brasileiros. Assim, tornou-se a única mulher a merecer a titulação de Viscondessa em toda a província de Minas Gerais, e uma das 26 mulheres agraciadas pelo Império Brasileiro, de acordo com pesquisas realizadas nesse sentido pelo experiente historiador e escritor valenciano, Rogério da Silva Tjader.

Testamento da Viscondessa do Monte Verde.
Arquivo Morto da Comarca de Rio Preto/MG.

O testamento

Pelo seu testamento, vê-se que a Viscondessa do Monte Verde era uma pessoa extremamente rica. Além de possuir muitas centenas de escravizados e a Fazenda Santa Clara, cuja sede ainda hoje é considerada uma das maiores edificações do país, e chegou a ter mais de seis mil metros quadrados de área construída, ela ainda possuía: o Sítio Monte Verde, o Sítio João Baptista, o Sítio Pirapetinga, o Sítio Lamabri, quatro moradas de casas no Arraial de Rio Preto e duas chácaras na Corte do Rio de Janeiro, em Catumby e Pedregulho, entre outros bens, conforme se vê do referido documento.

Como disposição de última vontade, pelo fato de não ter deixados filhos, a Viscondessa legou o seu patrimônio a diversos parentes de Rio Preto, São João Del-Rei e Rio de Janeiro. Mas certamente o maior beneficiado de todos foi o seu irmão Carlos Theodoro de Souza Fortes, nomeado por ela o seu primeiro testamenteiro, “por sua lealdade e companhia que prestou-me desde tenra idade”, que entre outros bens herdou a grandiloquente Fazenda Santa Clara.

Ele também foi um grande benfeitor da cidade de Rio Preto, onde exerceu a vereança. Foi o Comendador Carlos Theodoro que em 1880 doou o chamado “Palacete da Baronesa”, imóvel que na época era a sua principal casa da cidade, para a Santa Casa de Misericórdia local, entidade sem fins lucrativos que ele ajudou a criar e da qual foi o seu primeiro Provedor (em funcionamento no mesmo imóvel, até os dias atuais, como o principal hospital da cidade). Assim, por Decreto Imperial de 10/06/1882, recebeu de D. Pedro II a comenda da Ordem da Rosa e o título de Barão de Santa Clara.

Pelo mencionado testamento, vê-se também que a Viscondessa do Monte Verde, embora domiciliada em Rio Preto, pertencia a grandes irmandades religiosas do Brasil, como a Ordem do Carmo, na província de Pernambuco, a Irmandade do Santíssimo Sacramento e a Ordem de São Francisco, de São João Del-Rei e, por fim, a Irmandade do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, de Congonhas do Campo.

Diz-se que toda vez que viajava, retornava para a Vila de Rio Preto em grande estilo e luxuoso aparato, comparável aos da Corte, sempre acompanhada de mucamas, pajens, belos animais e ricas liteiras.

Ela faleceu na Fazenda Santa Clara, no dia seis de maio de 1868, e foi sepultada à frente do altar-mor da Matriz Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto, onde há uma lápide informando que “Aqui jaz a fundadora dessa Matriz”!

Lápide situada no altar-mor da
Matriz de N. S. dos Passos de Rio Preto.

*Rodrigo Magalhães é pesquisador e historiador riopretano!

terça-feira, 2 de março de 2021

FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA: RIOPRETANOS TIVERAM PARTICIPAÇÃO HEROICA NA 2ª GUERRA MUNDIAL!

Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*

        A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito da história da humanidade e contou com a participação brasileira, a partir de 1944, com o envio de aproximadamente 25 mil soldados, que lutaram na frente de batalha do norte da Itália.

O Brasil na 2ª Guerra Mundial

A participação do Brasil ocorreu após navios mercantes brasileiros terem sido afundados por submarinos alemães em 1942. A declaração de guerra contra o Eixo fez com que o Brasil mobilizasse soldados para serem enviados à frente de batalha. Em novembro de 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), e soldados de diferentes partes do País foram convocados para formar um Corpo de aproximadamente 25 mil militares, comandados pelo General Mascarenhas de Moraes. Esses soldados ficaram conhecidos pelo nome de “pracinhas”.

Pela primeira vez na história, tropas da América do Sul cruzaram o Oceano Atlântico para lutar no continente europeu. No dia 16 de julho de 1944, os primeiros cinco mil soldados do 1º Escalão da FEB, desembarcaram em Nápoles, rumo à guerra. Depois de quase 15 dias cruzando o Atlântico, os militares brasileiros chegaram à Europa para lutar.

 No dia 5 de agosto de 1944, a tropa do Escalão Avançado da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE) encontrava-se acampada em Tarquínia, onde recebeu armamentos e equipamentos. A partir de então, a FEB estava oficialmente incorporada às tropas aliadas na Itália.


Expedicionários riopretanos

Alguns jovens moradores do município de Rio Preto foram convocados e fizeram parte da Força Expedicionária Brasileira, participando da Segunda Guerra Mundial.

Somente do à época distrito de Santa Rita de Jacutinga, participaram da grande marcha expedicionária, entre outros: Gastão Américo dos Reis Júnior (Tenente do 1º Batalhão de Engenharia de Combate); Élson Machado, Joaquim Teodoro da Silva, José Lopes, Luiz Afonso, Oswaldo José de Almeida, Roldão Ermenio e Sebastião Rodrigues de Almeida (Artilheiros); Alfredo Marques da Cunha (mensageiro); João Farias (Grupo de Saúde) e Odim Machado (telegrafista).

Consta nos arquivos da Associação dos Ex-combatentes da FEB, na Secção de Valença/RJ (AECB-SV), os seguintes nomes de expedicionários riopretanos:

José da Silva Avelar (AECB-SV)

            JOSÉ DA SILVA AVELAR, nascido em Rio Preto/MG em 1921, filho de Durval Avelar e Georgina Maria Avelar. Alistou-se na unidade militar de Valença/RJ, aos seis de outubro de 1942. Foi à Itália e combateu na Guerra, servindo à unidade do 1º Batalhão de Saúde, da 2º Cia de Evacuação. Foi excluído em 21/08/1945;

Aristides Soares (AECB-SV)

ARISTIDES SOARES, nascido em Rio Preto/MG em 1923. Foi à Guerra com o 1º Batalhão de Saúde, pela 3ª Cia de Evacuação, como padioleiro;

Sebastião Moreira de Paiva (AECB-SV)

SEBASTIÃO MOREIRA DE PAIVA, nascido em Rio Preto/MG em 1921. Foi à Guerra pelo 11º Regimento de Infantaria, de São João Del-Rei/MG. Além do Diploma de Medalha de Campo, possuía também o Diploma de Sangue do Brasil, por ter sido ferido durante a Guerra;

Joaquim Lopes Maia (AECB-SV)

JOAQUIM LOPES MAIA, natural de Parapeúna, distrito de Valença/RJ, onde nasceu em 1920. Foi à Guerra pelo 2º Grupo, do 1º Regimento de Obuses Auto-Rebocado.

            Até o momento não obtivemos êxito em elaborar uma lista nominal de todos os moradores do município de Rio Preto que foram à guerra. Todavia, é de conhecimento geral que um dos três heróis mineiros mortos na emboscada de Montese, era riopretano, conforme amplamente divulgado pelos veículos de comunicação. Além deste, descobrimos recentemente após pesquisas realizadas na Unidade do Exército da cidade de São João Del-Rei/MG, que um dos dezessete brasileiros que perderam a vida de forma heroica em Abetaia, era morador de Rio Preto, cidade onde existe um logradouro em sua homenagem. 

Sebastião Clementino Machado (Acervo familiar)

Os 17 de Abetaia

SEBASTIÃO CLEMENTINO MACHADO nasceu na zona rural de Conservatória, distrito de Valença/RJ. Era filho de uma das últimas remanescentes do Conservatório, o derradeiro aldeamento indígena de nossa região. O pai, que ele nunca chegou a conhecer, foi um negro escravizado. Sebastião era, portanto, um cafuzo (ou carafuzo), que é resultado da união entre negro e índio.

Conta-se que com o fim do Conservatório, sua mãe não teve condições de criar sozinha a numerosa prole. Eram pelo menos seis filhos: Clementina, Alzira, Maria, Aparecida, José e Sebastião. Quase todos foram “adotados” por outras famílias, moradores da região. Sebastião Clementino, ainda bem pequeno, foi adotado pelo médico e político influente doutor Dolor Gentil Ramalho Pinto, quem o trouxe para Rio Preto/MG, onde o menino foi por ele criado. Acompanhando sempre o doutor Dolor, o adolescente Sebastião aprendeu a medicar e a desenvolver técnicas medicinais, tornando-se um prático.

Aos 18 anos, alistou-se no Exército, em Valença/RJ, e devido aos seus conhecimentos médicos foi servir no Batalhão de Saúde, sendo transferido posteriormente para o 11º Regimento de Infantaria do Exército em São João Del Rei/MG, de onde saiu no dia 22 de setembro de 1944 para lutar na Segunda Guerra Mundial.

Faleceu em combate, heroicamente, aos 12 de dezembro de 1944, em Abetaia, na Itália. Sebastião Clementino (Soldado/Pracinha, com identificação militar 2G-126252) era um dos “17 de Abetaia”, como ficaram conhecidos na história nacional esses heróis de guerra brasileiros que se sacrificaram para salvar o restante do seu Pelotão. Ele participou da patrulha que contava com apenas dezessete homens, que foi completamente aniquilada pelo inimigo a uns vinte metros da posição do mesmo.

Consta que esses dezessete homens desapareceram em ação, depois de enfrentarem cerca de sessenta militares alemães a fim de salvar o restante do Pelotão de uma emboscada. Seu corpo, junto com os demais, só foi encontrado após a conquista de Monte Castello, aos 21 de fevereiro de 1945, ainda em posição de combate, o que leva a crer que lutou até o último tiro, conforme está registrado, de acordo com a descrição de um oficial do Regimento que os encontrou:

Em formação semi-circular de combate e num campo aberto, a uma vintena de metros das seteiras, jaziam 17 cadáveres brasileiros, hirsutos, agressivos, colhidos por traiçoeira ceifa de morte, no momento em que o assalto final coroaria o cumprimento de sua difícil missão sobre Abetaia. Alguns cadáveres comprimiam o gatilho que disparara o último tiro e outros tinham nas mãos cerradas a granada, já sem grampo de segurança, que não chegara a partir e que só a rigidez cadavérica dos dedos comprimidos sobre a cauda do capacete, impedia de explodir... Estavam ali os 17 desaparecidos em ação, daquele malogrado ataque de dezembro e cujos nomes, em fim de jornada e à vacilante luz de uma vela discreta, um major, no seu P.C., examinava silenciosamente, através do laconismo militar de uma parte de combate”.

Seus restos mortais repousam no Monumento aos Pracinhas do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Em sua homenagem, um dos principais logradouros da cidade de Rio Preto foi renomeado “Pracinha Sebastião Clementino”, a popularmente conhecida Rua de Baixo.

Três heróis brasileiros

            GERALDO RODRIGUES DE SOUZA nasceu no município de Rio Preto/MG, no então distrito de Santa Bárbara do Monte Verde. Era filho de Josino Rodrigues de Souza e Maria Joana de Jesus. Com a identidade militar nº SG-88.714, Classe 1919, pertencente ao 11º Regimento de Infantaria (São João Del-Rei/MG) da Força Expedicionária Brasileira na Itália, embarcou para além-mar em 20 de setembro de 1944.

Geraldo morreria sete meses mais tarde, em circunstâncias heroicas. Ele e outros dois combatentes mineiros tornaram-se imortais em Montese, na Itália. No dia 14 de abril de 1945, o trio integrava uma patrulha com poucos soldados quando se viu frente a frente com uma forte companhia inimiga com mais de cem soldados. Esses heróis optaram por resistir até a morte, cercados por todos os lados e sem a menor chance de vitória. Repeliram com fogo os apelos do inimigo para que se rendessem.

Após dizimá-los, os soldados alemães os enterraram com honras militares, em reconhecimento à sua bravura, e grafaram o seguinte epitáfio em suas sepulturas: "Drei brasilianische helden" ("Três heróis brasileiros"). Os túmulos foram encontrados dias depois por uma patrulha da FEB, que recuperou os corpos e trasladou-os para o Cemitério de Pistóia, na Itália, e anos depois foram trazidos para o Memorial aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.

        Geraldo foi agraciado com as Medalhas de Campanha e Sangue do Brasil de Combate de 2ª Classe. No decreto que lhe concedeu esta última condecoração, lê-se: “Por uma ação de feito excepcional na Campanha da Itália”.    
Tumbas dos três brasileiros na Itália

*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano


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