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sábado, 30 de dezembro de 2023

DAS LITEIRAS DO IMPÉRIO AOS PRIMEIROS AUTOMÓVEIS: BREVE HISTÓRICO DOS VEÍCULOS EM RIO PRETO

 


Blog Rio Preto Noutros Tempos, por Rodrigo Magalhães*

 

Naqueles tempos felizes em que os veículos a motor ainda não circulavam como hoje nas ruas da pequena cidade. Havia apenas os tílburis e os carros de bois. Como passageiro destes últimos se ia às festas do Taguá e Santo Antônio das Varejas. Da Fazenda de São Bento, ainda vinha à cidade uma das famosas liteiras do Império...[1] – certa vez recordou o saudoso doutor José Antônio Tavares, que viveu em Parapeúna/Rio Preto na primeira metade do século XX.

            Neste artigo abordamos a história dos meios de transporte no município de Rio Preto, desde o período em que somente existiam por aqui cavalos e carroças, passando pelos vistosos veículos de tração animal da época do Brasil Império utilizados pelos Barões do Café, até chegarmos aos pioneiros automóveis movidos a gasolina de meados dos anos 1920. Acabamos descobrindo que, possivelmente, um dos primeiros automóveis de toda a região circulou muitos anos pelas ruas de Rio Preto e hoje se encontra em um museu!

Veículos de tração animal

            Analisando os processos de inventários dos mais abastados moradores de Rio Preto na época do Império brasileiro, constatamos que a maioria de suas respectivas “casas da cidade” eram dotadas de cocheiras. Esse detalhe pode parecer estranho em um primeiro momento, mas as cocheiras eram absolutamente necessárias no período em que as pessoas de posse andavam a cavalo. Esses animais necessitavam de moradia, pois eram eles que serviam ao transporte de humanos, bem como de carga (neste caso se utilizava mais os muares - bestas, burros e mulas).

            Como meio de transporte coletivo, o mais comum era a utilização dos carros de bois, quando se necessitava conduzir uma quantidade maior de pessoas da zona rural para a cidade, e vice-versa, assim como para as festas dos povoados mais antigos do município de Rio Preto, como é o caso de Santo Antônio das Varejas e São Pedro do Taguá, citados por Tavares.


Carro de boi, por Debret - foto de internet

           Quem tinha uma condição financeira melhor naqueles tempos idos andava de Tílburi, um veículo normalmente descoberto, com duas rodas e dois lugares, puxado somente por um animal. A origem da palavra tílburi vem do nome do inventor desse veículo – Gregor Tílbury.


Tílburi - foto de internet
    

          As famílias mais abastadas, por sua vez, possuíam suntuosas Liteiras, como os Bustamante Fortes, potentados proprietários da Fazenda Santa Clara, e os Brandão da Fazenda São Bento. A Liteira era uma espécie de cadeira portátil, aberta ou fechada, suportada por duas varas laterais. Era transportada por dois liteireiros (normalmente escravos) ou dois animais, um à frente e outro atrás. As liteiras eram muito utilizadas como meio de transporte de personalidades abastadas desde a Roma Antiga.


Liteira - foto de internet


               O padre Francisco Bernardino de Souza, um famoso clérigo do Rio de Janeiro que compareceu à inauguração da imponente Matriz de Nosso Senhor dos Passos, em 1860, narra em detalhes a entrada pomposa de D. Maria Theresa de Souza Fortes (futura Viscondessa do Monte Verde) na cidade de Rio Preto, em sua “riquíssima liteira”, para a celebração da missa inaugural do novo templo que financiara.   

Outro registro de liteira famosa da época do Brasil Império no município de Rio Preto, é justamente de um veículos destes que os descendentes do fazendeiro, político e benfeitor Thomé dos Santos Brandão utilizava para se dirigirem da Fazenda São Bento à cidade, até as primeiras décadas do século XX.



Os primeiros automóveis

De acordo com as recordações dos irmãos Tavares[2], até o ano de 1927 não havia um só automóvel ou caminhão nos dois lados do rio Preto. Estradas, só as carroçáveis. Cavalos, tropas, boiadas, carroças e carros de bois que se dirigiam do “Estado de Minas” (Rio Preto/MG) a caminho da ponte de ferro, com piso de madeira, percorriam uma pista de chão batido ao adentrarem o “Estado do Rio” (Parapeúna, distrito de Valença/RJ) na direção da Estação do Trem, passando por duas porteiras de madeiras que se abriam. Esta única pista ficava bem no centro de um largo, em que de um lado existia a “Casa Mazêo” (mesmo prédio onde atualmente funciona a Casa Simões e Cantina da Vovó) e, do outro, a “Casa Barbosa” (em um prédio que existiu onde atualmente há o imóvel da Cooperativa Agropecuária). Ambas as casas eram grandes "Armazéns de Secos e Molhados", e continham nas respectivas frentes uma estreita passarela de pedra para os pedestres.   

Mas antes de falarmos sobre os primeiros automóveis de Rio Preto/Parapeúna, precisamos citar que, em 1885, o primeiro veículo movido à gasolina foi criado; desenvolvido por um alemão chamado Karl Benz, e batizado de Motorwagen.

No Brasil, a história do pioneiro automóvel começa mesmo com a curiosidade de Alberto Santos Dumont, que mais tarde seria conhecido como o pai da aviação. Com o surgimento dos primeiros automóveis na França, por volta de 1891, ele decidiu estudar essa novidade e trazê-la para o Brasil. Então, passou a circular pelas ruas até então esburacadas do país o primeiro veículo movido a gasolina. Era um modelo Peugeot Type 3 Vis-a-Vis, de 1891, conhecido na França como Peugeot Voiturette. O modelo permitia ao carro alcançar 18 km/h. E vale lembrar que a produção da Peugeot havia começado em 1890, apenas com protótipos, e os primeiros carros foram fabricados a partir de 1891.


Peugeot sendo dirigido por Henrique Santos Dumont, em São Paulo (1893) - Foto de internet 


Mas, ao contrário do que diria a lógica, este não foi o primeiro carro emplacado em nosso país. Quem recebeu esta honraria foi o automóvel do conde Francisco Matarazzo, em 1903, quando já se havia notícias de outros carros rodando no Brasil.

Em 1901, o industrial José Henrique Lanat importou o primeiro carro a rodar na Bahia; Francisco Fido Fontana trouxe o primeiro automóvel para Curitiba, em 1903; no mesmo ano, Frederico Guilherme Busch fazia furor com seu Benz pelas ruas de Blumenau; no Rio Grande do Sul, o dono do Cine Apolo de Porto Alegre, Januário Greco, resolveu trazer da França um carro DeDion-Bouton, pelo qual pagou quase cinco contos de réis, em 1906; neste mesmo ano, no início do governo de Afonso Pena, foram comprados, de fábrica na Alemanha, quatro automóveis da marca Protos, modelo 17/35 PS Landaulet, que era utilizado pelo Barão do Rio Branco; um Sedan Rambler, de Julio Pinto, circulava em Fortaleza, em 1909.


Protos 17/35 PS Landaulet - Museu Histórico Nacional
Foto: Rodrigo Magalhães


O boom no interesse do público fez com que o país recebesse as linhas de montagem do Ford Modelo T, o primeiro deles em 1919, sendo que a pioneira indústria automotiva a vir para terras brasileiras foi a Ford Motors Company. Localizada em um pequeno armazém, apresentava uma linha de montagem especial para o famoso modelo T, que recebeu carinhosamente o apelido de Ford Bigode. 

                                                                   ***

Em relação ao primeiro automóvel de Rio Preto, novamente nos valemos das preciosas crônicas de José Antônio Tavares, testemunha ocular do verdadeiro acontecimento social que foi assistir ao desembarque do pioneiro carro em solo riopretano:

Numa tarde, como em tantas outras, ainda em idade pré-escolar, eu apenas perambulava pelos arredores de nossa rósea casa ferroviária. Súbito, aquele estrondo invulgar e pipocante. Habituado ao deslizar silencioso das pequenas carruagens, não me dei conta, de imediato, de que aquela era uma carruagem diferente. Incrível! Não tinha cavalos! Surgia assim no sétimo distrito o primeiro automóvel a circular na região. Chegara de trem, em prancha específica, importado pelo Vasco Monteiro. Aquele que seria, em 1927, o responsável pela abertura da primeira ‘estrada de automóveis’, ligando Rio Preto à Valença”.


Caminhão Ford 1929, na Faz. Boa Vista, de propriedade de Vasco Maia Monteiro, com os sobrinhos Marco Antônio, Selma, Nelson e Walma, década de 1930 (Acervo Familiar- Helena Oliveira de Paula)


Ratifica a informação de que este veículo teria sido o pioneiro de toda a região o depoimento do fazendeiro e morador de Santa Isabel do Rio Preto, Paulo Fernando Andrade Corrêa da Silva (Poleca), engenheiro automotivo e exímio conhecedor do tema. Ele é colecionador de carros antigos e, entre outros veículos, possui um Ford 1928, modelo A Phaeton, “idêntico ao que Henry Ford doou para Thómas Édson, em 1927” - disse. 


Ford 1928, de propriedade de Poleca

Seu pai, o brigadeiro Cláudio Nery Corrêa da Silva, possuía um modelo deste, ano 1929, e dirigiu por muitas oportunidades um caminhão Ford V8, ano 1936, que pertencia a Cardoso, Magalhães e Cia., que reunia algumas fazendas da região, como a Fazenda São Paulo (Cardoso), onde eles residiam.


Ford 1936, na Faz. São Paulo (Arquivo Pessoal de Poleca)


Ford A 1929, em Coronel Cardoso (Arquivo Pessoal de Poleca)

Segundo Poleca, como é mais conhecido, “o carro mais antigo da nossa região, com certeza, foi um Benz de 1914, que em 1964 eu vi na Fazenda Boa Vista, em Parapeúna, de propriedade do Sr. Vasco Monteiro. Ele estava de baixo do paiol, junto com um Ford 1929 e um caminhão 1929” – recorda. De acordo com Poleca, este pioneiro automóvel era um Benz, ano 1914, modelo 20 HP.


Modelo idêntico àquele que teria sido o primeiro automóvel de Rio Preto
Benz, ano 1914, modelo 20 HP
Foto de internet

 “Parece que só tinha dois no Brasil; um parece que era de um Bispo do Rio de Janeiro e esse outro, do senhor Vasco Monteiro. Meu pai tentou comprar por intermédio do meu tio Clóvis Correa da Silva, que na época era o prefeito de Valença, mas o senhor Vasco Monteiro não quis vender. Depois fiquei sabendo que esse carro foi para o Rio de Janeiro, e me parece que está em algum Museu do Rio de Janeiro, ou na Alemanha” – sugere.


Ford 1929 que teria pertencido ao Sr. Vasco Monteiro
Fotografado recentemente por Ivanilson Souza, na Rua Larga, em Rio Preto

Em um surpreendente vídeo da visita do Presidente da República, Washington Luís, à Fazenda Santa Clara, em 1927, Poleca conseguiu identificar que o Coronel João Honório já possuía naquela época um caminhão Ford modelo T, além dos três automóveis Chevrolet 1925, que conduziu a comitiva presidencial da Estação João Honório até a sede da sua fazenda.


Três modelos Chevrolet 1925 e um caminhão Ford T, na Estação João Honório
Foto extraída do vídeo da visita presidencial à Faz. Santa Clara, em 1927

Consta que, a seguir, outros moradores de Rio Preto e Parapeúna também adquiriram automóveis, principalmente o modelo Ford A 1929, como por exemplo o comerciante português Miguel Pinto Barbosa, o fazendeiro Gustavo Monteiro e o advogado Alberto Furtado Portugal. Mas, aos poucos, outros modelos também passaram a circular pelas ruas da cidade, como o Chevrolet, Selo de Ouro, ano 1929 (que apresentava capô mais alto, roda de pau e farol quadrado), que pertenceu ao fazendeiro Francisco Pereira Machado, mais conhecido por “Chicico Machado”.


Chevrolet 1929, dirigido pelo Sr. Chichico Machado
Arquivo Familiar de Gustavo Amaral


Nesse sentido, escreve José Antônio Tavares, de maneira romanceada e melancólica, narrando a profunda mudança (na paisagem e nos costumes) ocorrida nas pacatas povoações de Rio Preto e Parapeúna, após a chegada dos primeiros automóveis que ele viu desembarcar do trem por essas paragens:

Com o decorrer do tempo outros carros foram chegando: chevrolés, baratinhas e fords-bigode. E também os primeiros caminhões. Sempre desembarcando das pranchas dos trens mistos, composições ferroviárias com vagões de carga e de passageiros. As carroças e os carros de bois desapareciam da circulação. A tropa deixava de descer as serras. As velhas cocheiras cediam lugar às primeiras garagens. O Jorge Peão, ferrador de cavalos ia, aos poucos, ficando desempregado”.


* Rodrigo Magalhães, pesquisador, historiador e escritor riopretano.

 


[1] Artigo intitulado “Ano 50 - Rio Preto, Minas”. Jornal O Município, 18 de Julho de 1964 - Nº 235, de autoria de José Antônio Tavares.

[2] Livro “Crônicas Riopretanas”, de José Antônio Tavares e Miguel Tavares.

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