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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

RIO PRETO: MUNICÍPIO DE INGRESSO DO CAFEEIRO EM MINAS GERAIS!

Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*

Escravos na colheita de café (1882). Fotografia de Marc Ferrez.

O elemento mais icônico do Vale do Rio Preto é o café. Ele está presente na maioria dos brasões dos municípios situados nessa região, como no de Rio Preto, território por onde penetrou o café no estado de Minas Gerais, no final do século 18.

A famosa rubiácea foi a principal responsável pela colocação da região em posição destacada na história imperial brasileira, época em que o seu território serviu de palco para extraordinária produção cafeeira, considerada uma das maiores do país e do mundo. Por isso recebeu o nome de Vale do Café!


O primeiro pé de café das Minas Gerais

                Devido à proximidade ao território fluminense do município de Resende, onde o arbusto penetrou ainda nos anos 1700 e que também é banhado pelo rio Preto, o solo de Rio Preto entrou para a história nacional como aquele que abrigou a pioneira muda do hoje tradicional e famoso café em Minas Gerais.

 “(...) No Rincão do Rio Preto é que se plantou o primeiro pé de café, na então Província de Minas Geraes” – registrou o pesquisador José Marinho de Araújo, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Essa informação de incontestável valor histórico também é citada por diversos outros autores como Daniel de Carvalho, Basílio de Magalhães e, especialmente, Hildebrando de Magalhães, além de publicações diversas de órgãos mineiros e nacionais.

Hildebrando de Magalhães nasceu em Campinas/SP, em 1902. Era filho do historiador, jornalista e político mineiro Basílio de Magalhães, que foi professor de História em São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro, além de Senador por Minas em 1922. Basílio estudava com afinco a História do café em Minas Gerais, e provavelmente, foi o primeiro a apontar o município de Rio Preto como a porta de entrada do café em solo mineiro.

Seguindo os passos do pai, Hildebrando logo envidou seus melhores esforços literários na questão do café. Publicou um extenso livro chamado “História do café”, bem como outro com o nome “Contribuição para a história do café”. Escreveu, ainda, diversos artigos sobre o tema nos principais jornais de Minas Gerais, razão pela qual foi o escolhido pelo doutor Assis Chateau-briand para organizar uma seção para “O Jornal”. Nasceu assim o livro intitulado “O CAFÉ EM MINAS GERAES”, publicado em 1933, no qual o renomado autor afirma que “(...) si de Resende foi que se expandiu para S. Paulo e Minas, - nesta, pela posição topográfica do citado município fluminense, deve ter penetrado pelo rincão de Rio-Preto...

Segundo Hildebrando de Magalhães, “data, sem dúvida, de fins do século XVIII o ingresso do cafeeiro em Minas”. Acrescenta, ainda, que “por 1851, ao que se consignou em fonte oficial, as lavouras do café estavam normalmente estabelecidas, na zona da Mata, nos municípios de Presídio do Rio-Preto, Santo Antônio do Parahybuna, Barbacena e Mar-de- Espanha; e haviam apenas começado a desenvolver-se em Leopoldina, Ubá e Muriahé”.

Daniel de Carvalho (1887-1966), por sua vez, foi outra figura destacada que também apontou o solo riopretano como o pioneiro cafeeiro em Minas Gerais. Ele foi professor de História, deputado federal e até mesmo Ministro da Agricultura. Escreveu diversos artigos em jornais e livros, e era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

O início

                O registro mais antigo de uma considerável plantação de café na região foi feito pelo francês Saint-Hilaire, e data de fevereiro de 1822. Segundo ele, dois franceses possuíam uma venda na Aldeia das Cobras (próximo à Rio Bonito, no município de Valença/RJ), onde há muito tempo residiam. Conta-nos que esses dois franceses “haviam feito, pelas próprias mãos, considerável plantação de café, nas terras do desembargador Loureiro (...) e temendo alguma trapaça, venderam as plantações por duzentos mil réis, antes que produzissem. E asseguram que neste anno (1822) o comprador ou o próprio Loureiro, que ficou em seu logar, lucrarão dois mil cruzados”.

           Acredita-se que foi graças às observações de um pároco, na década de 1830, que os abastados fazendeiros do Vale do Rio Preto decidiram investir suas respectivas fortunas para custear o plantio do café em larga escala nos municípios dessa região, como Valença e Rio das Flores, no estado do Rio de Janeiro, e Rio Preto, Santa Bárbara do Monte Verde, Santa Rita de Jacutinga e Belmiro Braga, em Minas Gerais.

Seu nome era João Joaquim Ferreira de Aguiar. Em 1832, ele participou da fundação da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional da Vila de Valença, que reunia os grandes proprietários rurais do município. Essa sociedade criou um periódico – O Valenciano, veículo de informação através do qual o Padre Aguiar passou a publicar seus estudos defendendo a viabilidade técnica e econômica do plantio do café. Em 1836, ele publicou um Manual de Plantação, Cultura e Colheita.

           Padre Aguiar era um profundo conhecedor de agronomia. Ele era sócio da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SIAN), uma instituição fundada na década de 1830 dedicada ao estudo de todos os aspectos inovadores que pudessem impulsionar a agricultura no Brasil. Foi por influência desse padre que entre as décadas de 1830 e 1840 vários fazendeiros do Vale do Rio Preto se associaram à SIAN, como o Visconde de Baependy, que por várias ocasiões chegou a fazer parte da sua diretoria, inclusive.

            Sabe-se que foi o Visconde de Baependy o outro cidadão responsável pela entrada em cena do café na região. Ele funcionou como uma espécie de ligadura entre as demais famílias de grandes proprietários rurais para que os investimentos no plantio do café se tornassem atrativos e rentáveis. Pode-se dizer que a parceria entre o Padre Aguiar e o Visconde de Baependy foi fator decisivo para colocar o café como primeiro lugar na produção de larga escala na região, nas décadas que sucederam a sua escolha como fruto padrão para o plantio no fértil e vasto território do Vale do Rio Preto.

O Brasil é o café e o café é o Vale

            Registrou-se, então, uma extraordinária produtividade de café nos vales dos rios Preto e Paraíba do Sul.  O Brasil é o café e o café é o Vale", era uma frase corriqueira no país em meados do século XIX.

Estima-se que na década de 1860 essa região produzia 75% do café consumido no mundo, e assim garantia ao Brasil a condição de líder mundial na produção e exportação de café. Somente Valença e Vassouras, por exemplo, chegaram a produzir 100 arrobas de café beneficiado por 1.000 pés, números expressivos que os colocou entre os maiores municípios cafeeiros mundiais do século XIX.

Candido Portinari

Os Barões do Café

            O Ciclo do Café foi um período da história do Brasil durante o qual a produção cafeeira teve grande importância para o desenvolvimento econômico do país. Ele também trouxe muita riqueza para os grandes proprietários rurais de Rio Preto. Grandes e suntuosas casas sede de fazenda foram erigidas no município. Na então vila, imponentes sobrados e palacetes passaram a fazer parte da paisagem, especialmente na Rua Direita (atual rua Dr. Esperidião), o logradouro mais importante da localidade. Era ali que os mais abastados fazendeiros possuíam as suas respectivas “Casa da Cidade”.

              Surgiram também os títulos nobiliárquicos. Os chamados “Barões do Café”. No município de Rio Preto, entre esses nobres, destacavam-se aqueles ligados às duas principais fazendas da época: Santa Clara e São José. Viscondessa do Monte Verde e o Barão de Santa Clara, de um lado, e Barão de São José e Barão de Souza Lima, por outro, foram os sucessivos proprietários dessas duas grandes produtoras de café de Rio Preto que, devido a grande importância socioeconômica para o município, os logradouros que conduziam às suas sedes foram denominados, respectivamente, Rua Santa Clara e Rua São José.

O Brasil é o café e o café é o negro

              Entre 1830 e 1850, a região se desenvolveu graças a esses barões do café. Mas é fato que eles fizeram fortuna às custas de trabalho escravo. Durante boa parte do ciclo do café, a mão de obra utilizada nas lavouras e no transporte foi a dos escravizados de origem africana.

           Estima-se que 4,9 milhões de africanos foram escravizados e trazidos para o Brasil. Essas pessoas tiveram suas famílias desmembradas, seus nomes e identidade quase que completamente apagados.

Acredita-se que eles representavam 2/3 da população local à época. Por isso, é preciso sempre lembrar que o ciclo do café está diretamente ligado a um dos períodos mais terríveis de nossa história: a escravidão.

Candido Portinari

Símbolos do ciclo do café

               Além das grandiloquentes casas sede dessas fazendas do ciclo do café que ainda resistem ao tempo, bem como algumas edificações existentes na cidade, o maior símbolo dessa fase de apogeu financeiro durante o período imperial é, sem dúvida, a majestosa Matriz de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

    Ricamente finalizada pelo artista catalão Villaronga, com recursos próprios dos abastados proprietários da fazenda Santa Clara – Viscondessa do Monte Verde e Barão de Santa Clara e mão de obra dos africanos escravizados, os personagens mais símbólicos do ciclo do café, esse templo até os dias atuais é o principal cartão postal da cidade de Rio Preto!

Matriz de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto/MG.


Rodrigo Magalhães é pesquisador e historiador riopretano!


EM TEMPO: Recentemente obtive êxito em adquirir o livro intitulado O café em Minas Geraes, que há muitos anos procurava, por ser a obra que serve de subsídio para fundamentar o apontamento do solo riopretano como o pioneiro em receber o cafeeiro em Minas. Assim, sugiro às autoridades municipais a explorarem turisticamente uma constatação histórica de tamanha importância. Quem sabe a colocação de uma placa nas entradas da cidade com os seguintes dizeres: Bem-vindo à Rio Preto – o município onde foi plantado o primeiro pé de café em Minas Gerais!

FONTES:

* O café em Minas Geraes, de Hildebrando de Magalhães;

*Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e São Paulo (1822), de August Saint-Hilaire;

*A Introdução do café no Vale do Paraíba do Sul (Coleção Vale do Café), de Antônio Carlos da Silva, Gislene Braz e Iam Senna;

*Descoberto da Mantiqueira – O Sertão Prohibido do Rio Preto, de Rodrigo Magalhães;

*Rio Preto: Estado de Minas – Propaganda do Brasil por municípios, de Symphronio de Magalhães;

*Rio Preto: Resumo Histórico, de José Marinho de Araújo.  

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