Blog Rio Preto Noutros Tempos, por Rodrigo Magalhães*
O Sport Club Rio Preto é mais uma entidade centenária local. A história do futebol no município de Rio Preto está diretamente relacionada em sua origem a esta agremiação, fundada aos 13 de maio de 1917, que desde a partida inaugural tem o Campo do Divino como seu estádio e também sede. Certamente é uma das sociedades futebolísticas ainda em funcionamento mais antigas de toda a região.
Neste artigo iremos aprofundar um pouco sobre a história do Sport, apontando personagens emblemáticos e fatos curiosos ocorridos ao longo de mais de um século de existência, como por exemplo, os jogos realizados contra a equipe profissional do Clube de Regatas Flamengo, em meados do século XX, bem como a trajetória da equipe que se sagrou campeã invicta do primeiro campeonato da Liga Valenciana de Futebol!
PAZ E ESPERANÇA F. C. – o início
Na noite do dia treze de maio de 1917 era fundado o “Paz e Esperança Foot Ball Club”, por um grupo de jovens que se encontrava na Praça Barão de Santa Clara, bem no coração da cidade de Rio Preto. Entre outros, fontes diversas apontam a presença de Washington Valfrido do Nascimento (Torres), Manoel Cunha, Dolor Gentil Ramalho Pinto, Joaquim Santos, Artur Malhado Carneiro, Felipe Flutt, Felipe Habib, Elpídio Alves dos Santos (Pio), Antônio Alves Tibúrcio, Joaquim Simões de Araújo e Horácio Machado Salles.
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| Primeiro jogo do Paz e Esperança Foot Ball Club. Campo do Divino, 22 de julho de 1917 (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
Segundo os fundadores desta que foi a primeira agremiação futebolística de Rio Preto, a justificativa do nome por eles escolhido baseava-se na ocorrência naqueles tempos da primeira grande Guerra Mundial. Portanto, a denominação era um protesto contra a guerra, um pedido de paz. A primeira diretoria foi formada por Manoel Cunha, Joaquim Simões, Antônio Alves Tibúrcio e João Soares.
Uma vez fundado o clube, era vez de procurar por atletas na cidade para jogarem pelo time local recém-criado. Os primeiros treinos aconteceram num terreno descampado, pertencente ao patrimônio da Igreja do Divino Espírito do Santo, no bairro do Divino, razão pela qual o lugar foi apelidado de “Campinho do Divino”.
Somente depois de pouco mais de dois meses de treinamentos, os diretores enfim conseguiram na cidade de Valença/RJ uma agremiação adversária para enfrentar o Paz e Esperança, sendo que no município de Rio Preto não existia outra equipe.
A primeira apresentação do “Paz e Esperança Foot Ball Club” (esse é o nome com a grafia original) foi contra o Cruzeiro, time do limítrofe vizinho fluminense, no dia 22 de julho daquele ano, data inaugural do “Campo do Divino”, denominação pela qual passou a ser chamado o terreno cedido pela igreja católica para os treinamentos, que até então era utilizado tão somente como pasto para o cavalo do padre José Inácio de Souza Bittencourt.
O jogo de estreia terminou em 1 x 1. De acordo com as informações que constam de uma foto que me foi gentilmente cedida pelos herdeiros do saudoso doutor Dolor, o uniforme do Paz e Esperança era branco, com listras pretas na vertical (ou seja, alvinegro), e os primeiros atletas que participaram desse jogo histórico de inauguração do Sport Club Rio Preto e do Campo do Divino foram: Bruno Mazzêo, Manuel Guilinho, doutor Dolor, Alcides Marques, Nelson Caetano, Dinho Vieira, José Geraldo, Elpídio Alves (Pio), Nana (irmão do Pio) e mais dois atletas não identificados.
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| Acervo dos herdeiros do doutor Dolor Gentil. |
Interessante notar que este registro fotográfico histórico foi um presente de Walter Bruno para o doutor Dolor Gentil (fundador do time, que está na foto), que teria sido conseguido pelo primeiro junto a uma irmã do doutor João Lamanna (outro jogador que está presente na fotografia, que era o dono da foto). E todas essas preciosas informações supramencionadas (em relação à data do primeiro jogo, ao placar e à escalação do time inaugural) foram escritas de próprio punho por Walter Bruno, que na década de 1930 foi o goleiro do Sport por muitos anos, e certamente as coligiu de personagens que vivenciaram os fatos por ele narrados. Por esse motivo, entendemos que estas devem prevalecer sobre as informações divergentes contidas em outras fontes, uma vez que aparece grafado no campo superior, como título para a foto: "Jogo da Inauguração do Esporte Club Rio Preto em 1917 (Campo do Divino). Fundação".
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| Foto do jogo inaugural do Sport, no Campo do Divino, segundo outras fontes (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
A origem da Igreja do Divino Espírito do Santo da cidade de Rio Preto está relacionada às terras doadas ao patrimônio pelo comendador Francisco Thereziano Fortes Bustamante, o potentado proprietário da Fazenda Santa Clara, um pouco antes de seu falecimento, em 1854. Essa porção territorial media cerca de um alqueire e confrontava pela frente com a estrada pública que conduzia á Fazenda de Santa Clara; pelos fundos com o rio Preto; por um dos lados com terras do Sr. João Mesquita Júnior, e pelo outro lado com herdeiros da finada Maria Alves Duque.
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| Campo do Divino, 1971 (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
As obras de construção da capela foram iniciadas na década de 1860, mas em 1870 ainda não estava totalmente acabada. E este amplo terreno situado entre a lateral da igreja e as margens do rio Preto, inicialmente servia de pastagem para os animais dos párocos locais. Consta também que servia de palco para uma prática muito comum no inicio do século XX: a caça. Muita gente se reunia após as missas na Igreja do Divino para assistir ao desfile dos cavaleiros, com seus pomposos cães de caça, de raça.
Não obstante o terreno onde fora formado o Campo do Divino e construída a sede social do clube (com arquibancada, vestiários, banheiro etc.) permanecer na posse do Sport Club Rio Preto desde maio de 1917, somente por ocasião das festividades de 50 anos da agremiação, em 1987, os dirigentes do clube receberam a escritura definitiva de seu patrimônio, por doação da Mitra Diocesana de Juiz de Fora, conquista que contou com a participação fundamental do ex-atleta do time e incansável colaborador Roberto Duarte da Silva.
Primeiro campeão de Valença/RJ
Depois da primeira apresentação, mesmo tendo empatado, os convites para exibições não paravam de chegar. Estudos eram feitos, e os melhores eram acolhidos. Em 07/09/1918, por exemplo, o time do Paz e Esperança viajou para jogar em Santa Rita de Jacutinga, vencendo a equipe local. O time que jogou foi escalado desta forma: João Lamanna, Bembeque, Curtis, Felipe, Pio, Acir, Dermeval, Juca, Ernani, Manoel e Martinho Cabral.
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| Foto provável da viagem a Santa Rita de Jacutinga, em 1918 (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
Observou-se que quando jogava fora, o Paz e Esperança era mais chamado por “Rio Preto”. Desta forma, em dezembro de 1918, decidiu-se mudar o nome para “Sport Club Rio Preto”, que permanece até os dias atuais. Até porque em agosto daquele mesmo ano a Primeira Guerra Mundial havia terminado. E assim, as cores branca e preta da camisa alvinegra outrora utilizada pelo Paz e Esperança deu lugar ao verde e branco do novo uniforme, surgindo o escudo do Sport Club Rio Preto, conforme se vê da camisa usada pelo atleta Pio, um dos líderes do time e possível autor do desenho do escudo.
O primeiro grande momento aconteceu trinta anos após a sua fundação: o Sport Club Rio Preto foi o campeão do I Campeonato Valenciano, de 1938, organizado pela Liga Valenciana de Desportos (LVD), do município de Valença, localizado na região Sul Fluminense estado do Rio de Janeiro. A LVD, que tinha sido fundada no dia oito de julho de 1938, realizou o I Torneio Início, 23 dias depois (31 de Julho de 1938), tendo o Esporte Clube Barroso como o campeão, e o Ferroviário como vice.
O I Campeonato Valenciano teve a duração de seis meses e contou com a participação de sete clubes: Sport Club Benfica; Esporte Clube Barroso; Sport Club Rio Preto; Ferroviário de Marques de Valença; Valenciano Atlético Clube; Monte D’Ouro Futebol Clube e Avenidense Futebol Clube.
Apesar de o Sport Club Rio Preto ficar em um município mineiro, a equipe alviverde participou da competição realizada em Valença como convidada, e superou os times favoritos que eram o Valenciano e o Ferroviário (atual Coroados), sagrando-se a grande campeã, de forma invicta. A final foi 2 x 1 para o Sport contra a forte equipe do Valenciano, que jogava em casa. Eis a Classificação Final: 1º SC Rio Preto 18; 2º Valenciano 17; 3º Ferroviário 15; 4º Barroso 12; 5º Monte D’Ouro 10; 6º Benfica 08; 7º Avenidense 03. Os destaques do excelente time do Sport foram o goleiro Walter Bruno, o zagueiro Zinho Rosa e o atacante Zé Pequeno, o grande craque da equipe.
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| Equipe do Sport campeã do I Campeonato Valenciano, em 1938 (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
Dias seguintes, o Jornal “Sport Ilustrado”, em sua edição de nº 54, noticia esse grande feito: “Players Campeões de Rio Preto: Walter Bruno, Zinho Rosa, Hélio Martins, João Lopes, Totônio Soldado, Claudinho Corrêa, Geraldo de Souza Lima, Zé Pequeno, Jacó e Soicinho Rosa; reservas: Geraldo Cardoso, Zoca Ferreira, Zé Macaco e Jose Marcelino”.
E no inicio do ano seguinte, o Sport novamente foi o campeão valenciano. Desta feita venceu na final o Ginásio São José, que jogava em seu campo, por um a zero. Mais uma vez sem perder uma única partida. Alguns dias depois, o jornal “Progresso”, de Rio Preto, noticiava na capa: “O Sport Club Rio Preto traz a taça”.
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| Acervo do Sport Club Rio Preto. |
Consta que quando o Sport ia jogar em Valença, a torcida riopretana comparecia em massa, tanto que o trem (naquele tempo o meio de transporte mais utilizado) chegava com até cinco vagões extras na vizinha cidade fluminense. Especialmente em jogos contra o Clube dos Coroados, considerado o maior rival do Sport de todos os tempos.
Flamengo em Rio Preto
Mas o acontecimento mais marcante ocorrido no Campo do Divino ao longo de toda a sua história foi, sem dúvida, sediar dois jogos do time principal do Flamengo contra o Sport Club Rio Preto. A primeira visita da equipe carioca teria ocorrido no final da década de 1950, e a segunda em 1962.
Sabe-se que esses jogos foram possíveis graças à influência do ilustre cidadão Fadel Fadel, que descendia de Manne Fadel, imigrante libanesa radicada em Rio Preto no inicio do século XX, e matriarca da família. Ele foi o 53° presidente do Clube de Regatas do Flamengo (1962-1965). Mas Fadel Fadel já fazia parte dos quadros políticos do clube há alguns anos, sendo considerado o braço direito do presidente Gilberto Cardoso. Por essa razão, logrou êxito em levar a equipe titular do Flamengo a Rio Preto na década de 50, e depois, já como presidente do clube, no final de 1962.
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| Flamengo x Sport. Campo do Divino, 1962 (Acervo do Museu Regional de Rio Preto). |
Sport Juvenil
Com o passar dos anos, o Sport Club Rio Preto passou a ser formado pelos atletas selecionados no campeonato municipal de Rio Preto, escolhido dentre todas as equipes participantes. Com a seleção do campeonato, o Sport disputou os últimos campeonatos valencianos, sendo a última participação há mais de dez anos.
Por determinado período o Sport chegou a investir nas categorias de base, proporcionando treinamentos aos atletas menores de idade. Algumas equipes do apelidado “Sportinho” destacaram-se em competições regionais, como a equipe formada durante a década de 80 (que tinha como mascote o autor deste texto, que posteriormente jogou pelo Sport, defendendo o alviverde riopretano em campeonato valenciano, inclusive).
Eis a escalação desta equipe do Sportinho que marcou época. Em pé: Edinho, Floriano. Átila, Beto, Chico, João Bolinha, Calezinho Bosquinho e Chico técnico. Agachados: Jairzinho, Chiquinho, Elias, Neno, Helder Alexei, Delon, Helinho, Titão e o mascote, Rodrigo Magalhães.
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| "Sportinho", década de 1980 (Acervo do Sport Club Rio Preto) |
Esporte e Lazer – função social
Ao longo de todo esse lapso de tempo, de mais de cem anos de existência, o Sport Club Rio Preto promoveu diversos eventos sociais na cidade, tendo como palco o centenário Campo do Divino e as demais dependências da entidade.
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| Missa Campal e desfile no Campo do Divino, 1971 (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
Como time de futebol, desde a segunda década do século passado é uma das principais opções de lazer para a família riopretana, que sempre compareceu nas partidas dominicais no Campo do Divino, bem como nas cidades vizinhas onde equipe do Sport se apresentava.
E durante todos esses anos, além de promover a prática esportiva e propiciar a formação de jovens cidadãos, grandes talentos foram revelados pelo Sport, que chegaram a jogar profissionalmente, como os casos mais recentes de Xandy Fraga ("Xandele") e Célio Leocádio, dentre tantos outros que, inclusive, destacaram-se no cenário futebolístico nacional e até mesmo internacional, como Pedro Magalhães (“Pedro Bala”), que jogou pelo Flamengo/RJ; Wanderley Bernardino, que jogou pelo Botafogo/RJ; Alexandre Pereira (‘Bicudo”), que jogou pelo América/MG; e Vanderlei Silva (‘Delei”), que chegou a disputar campeonato Paulista, campeonato Gaúcho, copa do Nordeste e nos últimos anos jogou até mesmo no exterior, aposentando-se como jogador de futebol profissional recentemente, por um clube da China.
Mas o Sport Club também fomentou cultura e lazer em Rio Preto, como os famosos concursos de beleza que promovera na década de 50. Em 1957, por exemplo, foram eleitas: rainha Maria de Lourdes Cleto de Oliveira, e princesas Dilma Raimundo Magalhães.
E o Campo do Divino, durante essa longa trajetória existencial, foi palco de grandes festividades riopretanas, como missa campal, desfiles e apresentações musicais. Sem contar que desde 1970 o Sport cede o espaço do campo para a realização da Exposição Agropecuário de Rio Preto, onde se instala parque de diversões e realizavam os desfiles dos animais, entre outros eventos.
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| Terreno onde passaria a funcionar o Campo do Divino. Treino de caça com cachorro, prática comum no início do séc. XX (Acervo do Museu Regional de Rio Preto) |
Tempos atuais e o futuro
Há mais de dez anos o Sport Club Rio Preto não possui equipe de futebol em permanente atividade. Não disputa competições, e apenas eventualmente realiza jogos amistosos com os atletas selecionados dentre as equipes que disputam o campeonato riopretano de futebol, que nos últimos anos vem sendo organizado pela diretoria do Sport, com apoio da Prefeitura local (Secretaria de Esportes).
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| Portão principal de acesso ao Campo do Divino (Foto da página do Sport no Facebook) |
Sendo assim, nos últimos tempos o Sport Club Rio Preto “sofre” com a falta de recursos financeiros. Depende da dedicação de alguns colaboradores, que muito se esforçaram para manter em bom estado de uso e funcionamento, tanto o Campo do Divino como as dependências sociais. Entre muitos beneméritos voluntários dos últimos tempos, destacam-se os saudosos Carlos Henrique Delgado Pires (“Zoinho”) e Heitor Portugal; Roberto Cyrne, José Benedito Pinto Maia, Antônio Márcio Vieira, Leo Reis, Sérgio Mendonça (“Mazarope”) e Paulo Vítor da Silva Dias, o popular “Popó”, que há seis anos preside a entidade.
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| Campo do Divino, arquibancada e a Igreja do Divino aos fundos (Foto da página do Sport no Facebook) |
Segundo Popó, entre os planos para o futuro do Sport Club Rio Preto está a composição de um novo quadro de sócios e o aumento da arquibancada coberta. Para isso, desde já solicita apoio de pessoas da comunidade para que se associem como sócios da entidade, bem como de empresários que desejarem colaborar por meio de patrocínios e doações para a manutenção deste clube que, sem sombra de dúvidas, é um destacado patrimônio cultural do município de Rio Preto!
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| Escudo atual (modernizado) do Sport Clube Rio Preto |
*Rodrigo Magalhães, pesquisador, historiador e escritor riopretano!



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