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quinta-feira, 26 de novembro de 2020

MATRIZ DE NOSSO SENHOR DOS PASSOS DE RIO PRETO: 160 ANOS DO CARTÃO POSTAL MAIS ICÔNICO DA CIDADE!

 

Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*­­­

Foto: Igor Alecsander

Introdução

Hoje, 26 de setembro de 2020, a imponente Matriz de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto, o principal cartão postal da cidade, completa 160 anos de existência, desde a sua inauguração festiva!

É preciso, no entanto, retroceder no tempo e abordar de maneira mais aprofundada o desenrolar dos acontecimentos, como as ações que precederam a construção, o início das obras e os primeiros anos subsequentes, e não apenas a inauguração da Matriz, tendo em vista a descoberta de novos documentos e fatos históricos preciosos que foram encontrados ao longo das minhas pesquisas.

Assim, pretende-se através desse estudo descortinar detalhes históricos ignorados ao longo dos anos, a fim de demonstrar que outras personagens da história riopretana também podem ser consideradas benfeitoras da suntuosa Matriz, não obstante seja inegável que os Fortes tenham sido os principais responsáveis pela finalização da suntuosa edificação.

Mas é questão de justiça para com esses outros benfeitores, e os seus respectivos descendentes, que os fatos sejam registrados de maneira mais fidedigna possível, para que sejam resgatados outros importantes personagens ligados a essa história que, infelizmente, permaneceram esquecidos (ou pouco lembrados) pela historiografia tradicional durante todo esse lapso temporal de 160 anos.

Nesse sentido, consta do pioneiro Livro de Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto, acertadamente, que “é um erro que se vê na lápide da finada Viscondessa do Monte Verde, no presbítero da Igreja, onde se lê ‘fundadora desta Matriz’. Esta última ajudou para concluir as obras e não para principiar[1].

Foto: Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG

Inauguração festiva

O dia amanheceu chuvoso, no domingo, 26 de setembro de 1860. As ruas de Rio Preto já estavam todas ornamentadas. O perímetro central enfeitado com bandeiras, folhas e arcos de bambu. Foguetes enchiam os ares. Cavaleiros e damas trajando as suas melhores vestimentas vinham das fazendas mais remotas para participarem desse dia festivo.

A vila trajava roupas de gala e estava em festa para a inauguração da nova Matriz. Uma enorme e suntuosa edificação, cuja construção iniciara em 1835. O templo é quase totalmente erguido em pedra. Proporcional ao seu tamanho exagerado eram os detalhes arquitetônicos, como a grande quantidade de portas e janelas, inclusive nos fundos. E quanta cantaria... Todo o embasamento, cunhais, colunas internas, púlpitos, soleiras, escadas e cercaduras de portas e janelas apresentam trabalho em cantaria. A Matriz foi ricamente acabada e paramentada nos últimos anos de obras pelo construtor contratado, o arquiteto e pintor catalão José Maria Villaronga Y Panella, recém-chegado da Europa, morador da vizinha Vila de Valença.

Houve procissão das imagens, que vinham da velha e arruinada Matriz para a nova, que se adereçou de galas e perfumou-se de flores para dignamente recebê-las. E apesar da incômoda chuva, bastante concorrido esteve o ato. Intérprete desta pomposa cerimônia foi o senhor Cônego Roussin, notável eclesiástico, muito conhecido na província de Minas, e que dirige em Juiz de Fora um bem acreditado colégio de educação. De Valença veio o venerando vigário da cidade, considerado um dos padres de maior erudição que possui o Bispado do Rio de Janeiro. Do Rio de Janeiro, capital do Brasil, partiu para a inauguração da Matriz em Rio Preto o famoso clérigo, professor, escritor e sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Francisco Bernadino de Souza.

No coreto do jardim, em frente à igreja a ser inaugurada, duas corporações musicais tocavam, festivamente, grandes dobrados. Uma orquestra era de Rio Preto, brilhantemente dirigida pelo maestro Teixeira Penna Forte. A outra veio de Vassouras, composta de hábeis professores de música, que deixavam ouvir harmoniosas e vibrantes notas.

Ao meio-dia, três imagens entravam na igreja, em procissão: Nossa Senhora das Dores, São Francisco de Assis e Nosso Senhor dos Passos (o padroeiro). Foram saudadas com uma chuva de flores jogada pelos jovens da cidade, que se colocaram na nave central. A missa foi celebrada pelo Comendador e Monsenhor Antônio Pedro dos Reis, ex-pároco entre 1837 e 1846, convidado para oficiar os atos, por ser grande amigo da família dos benfeitores – os Fortes[2].

Foto: Ivanilson Sousa

Fatos antecedentes

De acordo com as folhas 18 do pioneiro Livro da Irmandade do Rosário (principiado com a rubrica “Fortes”), a primeira Associação Eclesiástica fundada em Rio Preto, “em 1812 já constava quantias bem elevadas para construção de uma nova Matriz na povoação do Presídio[3].

Consta o nome do próspero minerador e abastado fazendeiro, o Capitão Joaquim Rodrigues Franco, como o primeiro benfeitor, ao fazer a “doação de uma chácara junto ao povoado, em 1814[4], para a construção de uma nova igreja em Rio Preto para servir de Matriz aos moradores do incipiente Arraial.  

A primitiva capela de Nosso Senhor dos Passos em Rio Preto era, na verdade, uma ermida, edificada possivelmente na primeira metade do século 18, no local conhecido à época por Morro dos Beatos, que hoje é denominado Morro dos Pintos. Era uma construção simples, que ocupava a parte central do atual cemitério de Nosso Senhor dos Passos, onde repousam os restos mortais dos pioneiros moradores do município de Rio Preto.

“Tratava-se de uma humilde capela. Simples e pequena, sob a invocação de uma imagem de Nosso Senhor dos Passos, possivelmente trazida da região do rio das Mortes. Provavelmente, era sustentada por toscos esteios de madeira, com paredes de palmito e ripas, ligadas por cipó Imbé e emboçadas por ligeiras camadas de barro, com teto formado de ramos de palmeiras, tal como outras capelas construídas nesse período”[5].

Consta, ainda, o nome de outros benfeitores, como o cidadão Manoel José Lino, que em 1827 havia deixado em testamento o crédito de 300$000 para as obras de construção de uma nova igreja em Rio Preto, entre outros.

O guarda-mor Francisco Dionísio Fortes, fundador da grandiloquente Fazenda Santa Clara e patriarca do tronco da família Fortes de Rio Preto, doou à Matriz (velha) um terreno contíguo à sua casa, que também se situava no Morro dos Beatos[6].

Mas a intenção dos moradores era construir um novo templo em um terreno mais baixo e plano, tal como era a chácara doada pelo Capitão Joaquim. Além disso, a primitiva capela se encontrava em mau estado de conservação e uso. “Estava muito arruinada a antiga. Situava-se em lugar muito pantanoso e dentro de um cemitério[7].

Para esse fim, Manoel Rodrigues Franco, filho do Capitão Joaquim, ofereceu também ao patrimônio da igreja mais dois alqueires de terras contíguas àquelas que o seu pai doara em 1814, em escritura passada em cartório aos quatro dias de setembro de 1829[8].

E no dia vinte e dois de setembro de 1829, o procurador Francisco de Paula Gonçalves de Cerqueira termina de redigir um importante documento. Trata-se de uma “carta do Capitão Joaquim Rodrigues Franco e dos moradores do Presídio do Rio Preto, Bispado de Mariana, Província de Minas Gerais ao Monsenhor Cônego Júlio de Paula Dias Bicalho, Escrivão da Câmara Eclesiástica”:

“... Pedem licença para edificar outra nova capela, sendo que existe no Presídio uma antiga capela com a invocação do Senhor dos Passos que se acha em estado ruinoso e colocada em um lugar que em ocasiões de chuvas fica em estado de não servir (...) e o primeiro suplicante (Joaquim Rodrigues Franco) oferece para o patrimônio do Senhor dos Passos do Rio Preto, Bispado de Mariana, Província de Minas Gerais, uma chácara situada no mesmo Presídio, que conta de 3.500 pés de café, 200 pés de bananeiras e outras árvores como laranjeiras, limas e amanazes, com duas casas, uma coberta de telhas e outra de capim, tudo a fim de conseguir licença Imperial para feitura de nova Igreja no mesmo sítio (...) por se achar indecente a antiga Ermida, e assim ficando sempre com o primeiro título que é o Senhor dos Passos, Padroeiro tanto no presente como no futuro[9].

O padre Agostinho Vidal Pinheiro, vigário da freguesia de Conceição de Ibitipoca, a quem a capela passou a pertencer em 1821, em seis de janeiro de 1830 envia um ofício ao bispo de Mariana, frei José da Santíssima Trindade, declarando serem os suplicantes dignos de obterem a graça[10].

Aos quinze de maio daquele mesmo ano, é a vez do Frei Henrique D’Annunciação Got, o primeiro pároco a chegar com licença à Rio Preto para servir como capelão na Ermida de Nosso Senhor dos Passos, escrever ao Provedor das Capelas de Rio Preto “implorando licença para edificarem uma nova capela com invocação de Nosso Senhor dos Passos[11], confirmando a informação dos moradores de que a que existia estava em ruínas.

No entanto, o pedido que recebeu autorização do Bispado de Mariana para a instituição da nova igreja na povoação então denominada de Presídio do Rio Preto, foi aquele feito pelo Capitão João Alves Garcia, por provisão de quatro de março de 1831[12].

Foto: Edmilson Magalhães

Os capitães

Joaquim Rodrigues Franco e João Alves Garcia são bons exemplos dos diversos colonos que migraram para Rio Preto no início dos 1800, à procura de ouro, metal que nessa época ainda era encontrado em grande quantidade nessa região de Minas Gerais, razão pela qual as autoridades a denominaram de Descoberto do Rio Preto.

Por meio do ouro encontrado fartamente no rio Preto e em seus afluentes, esses novos personagens enriqueceram e acabaram se tornando abastados fazendeiros locais, para quem a singela e modesta ermida não era mais condizente com a riqueza e o esplendor do lugar. 

Foi o Capitão João Alves Garcia, proprietário e morador da Fazenda do Engenho de Sant’Anna, quem deu início as obras nas terras doadas para esse fim pelo Capitão Joaquim Rodrigues Franco. Consta que ele construiu a capela mor da dessa igreja, "ás suas custas", conforme o mesmo registrou em seu testamento, em 1844, no Livro nº 1 de óbitos da Matriz (1833 a 1844)[13]:

“(...) João Alves Garcia, branco, viúvo de setenta e seis anos, foi o benfeitor dessa Matriz. Fez à sua custa a Capela Mor a ponto de com decência nela se celebrar o Santo Sacrifício, e ajudou no corpo da igreja com mais de dois contos de réis (...) foi sepultado na Capela Mor da Matriz Velha...”

Além de o Capitão João ter deixado esses dois contos de réis para a continuidade das obras que iniciou, também a sua esposa, Anastácia Adriana de Jesus, em 1830 já havia deixado em testamento 70 cruzados para o mesmo fim.

O Capitão Joaquim, por sua vez, muito embora residisse na Fazenda Porto Manso (atual Barreado, distrito de Santa Bárbara do Monte verde/MG), era o proprietário de parte da “Sesmaria do Rio Preto”[14]. O atual centro e quase toda parte plana do perímetro urbano da cidade de Rio Preto se colocava dentro de suas terras. Por essa razão, até meados do século 20 um dos logradouros mais importantes de Rio Preto se chamava “Rua São Joaquim” (atual Rua Pracinha Sebastião Clementino – Rua de Baixo), em homenagem a esse benfeitor da Matriz e da cidade.

Foto: Rodrigo Magalhães

Outros benfeitores

No dia quatorze de julho de 1832, o Curato de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto do Presídio foi elevado a Paróquia. Mas somente no dia treze de julho tomou posse no Curato desta nova Freguesia do Senhor dos Passos do Rio Preto o Reverendo Padre Manoel Mendes Lopes, o primeiro vigário de Rio Preto[15].

Sob a sua assistência, no ano de 1833 se fez o inventário dos bens da igreja, e a Irmandade dos Passos foi organizada. No ano seguinte ele visitou e organizou a capela de Santa Rita de Jacutinga e a ermida de Santa Bárbara do Monte Verde, filiadas da paróquia de Rio Preto. E, finalmente, em 1835 o Padre Manoel deu início às obras para construção da nova Matriz.

A escolha do local

  Para esse fim, o Padre Manoel nomeou para o cargo de “zelador provisionado” da paróquia o Alferes João Teixeira de Carvalho. Uma vez consentida a autorização para a construção, era chegada a hora de escolher o lugar onde seria erigida a Matriz.

Aparece aí a figura do Alferes João que, àquela época, despontava como uma espécie de líder comunitário. Não era um fazendeiro abastado, mas era militar e tinha a patente de alferes. Mais do que isso, era casado com uma das filhas do famoso Alferes José Furtado de Figueiredo, abastado fazendeiro em Rio Preto, oriundo de família importante de Barbacena[16].

Muitas das reuniões para tratar do tema aconteciam na sua residência, que ficava nas proximidades da Igreja do Rosário, que naquele momento servia como Matriz. Ele e seus amigos desejavam que a nova Igreja fosse construída defronte o Pelourinho (onde atualmente existe a praça e o jardim da cidade), nas proximidades do Paredão (em frente à Ladeira Afonso Portugal), local que em 1835 era apenas um “pasto de vassouras”, cuja frente daria para a entrada da Vila, pelo lado da Corte (por Parapeúna, distrito de  Valença/RJ)[17].

Todavia, os membros da família Fortes discordavam. Alegavam que a campanha feita pelo Alferes João em relação àquele lugar escolhido era para evitar que a sua casa fosse encoberta pela Matriz, tal como aconteceu, saindo-se vencedor a potentada família Fortes, conseguindo que o novo templo fosse edificado mais próximo das margens do rio Preto e com a frente voltada para a Rua dos Mineiros (atual Governador Benedito Valadares), no sentido de Vila Rica. Afinal, o principal responsável pela recente elevação na hierarquia religiosa da povoação havia sido o doutor Antônio Joaquim Bustamante Fortes, um dos filhos do guarda-mor Francisco, que ocupava o importante cargo de Ouvidor e Provedor da Comarca de São João Del-Rei à época.

Foto: Rodrigo Magalhães

Início das obras

Uma vez escolhido o local, deu-se início as obras, a custas e responsabilidade do Capitão João e coordenação do Padre Manoel que, quando foi transferido da paróquia de Rio Preto, em agosto de 1836, fez a doação da quantia de cem mil réis para a construção da Matriz[18].

Em maio de 1837 toma posse na Freguesia o Reverendo Padre Antônio Pedro dos Reis. Homem muito inteligente e diplomata, era um afamado professor e amigo do Imperador D. Pedro II. Já era monsenhor quando foi nomeado para assumir a paróquia de Rio Preto, provavelmente para ficar perto da irmã dona Antônia Gonçalves Carneiro, que já há alguns anos residia nesta povoação. Está registrado que o Monsenhor Antônio Pedro deu impulso às obras e muito se esforçou na continuação da construção do novo templo[19].

Com o falecimento do Capitão João, em 1844, assume a posição de principal benfeitor e responsável pelas obras o abastado Comendador Francisco Thereziano Fortes de Bustamante, filho do guarda-mor Francisco e herdeiro proprietário da Fazenda Santa Clara. Além de doar inicialmente 300 arrobas de café, ele cedeu muitos de seus numerosos escravos para a construção da Matriz. Através do trabalho de muitas dezenas de escravos de sua propriedade, entre eles afamados mestres pedreiros e de carpintaria, as obras da nova igreja avançaram consideravelmente.

Especialmente devido a valorosa contribuição de um parente seu, Antônio Fortes Bustamante, que em testamento copiado aos 27 de setembro de 1847, falecido em Rio Preto, deixou todos remanescentes, inclusive terras que não entravam em seu testamento, “para serem aplicadas na feitura da nova igreja de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto[20].

Justificação

Devido o estágio avançado em que se encontrava a edificação, no dia três de setembro de 1853, o Padre João de Souza Godinho, à época Procurador da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos, pediu “Justificação” a fim de provar que as obras da nova Matriz “já há muito estavam principiadas[21].

Serviram de testemunhas a essa justificação duas pessoas idôneas escolhidas para esse fim, moradores da Vila do Rio Preto: José Joaquim de Sat’Anna Passos e Lucas Antônio Duarte. Segundo depuseram, naquele momento já estavam prontos os respectivos alicerces, com a parede lateral direita e as da capela mor, até a altura de receber vigamento, e algumas portadas da frente já se encontram assentadas”[22].

Foto: Rodrigo Magalhães

Villaronga

Mas no ano seguinte morre o Comendador Thereziano. O seu testamento é aberto no dia três de outubro de 1854, e nele aparece uma valiosa doação: “Deixa à igreja de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto, que estava fazendo à sua custas, quarenta contos de réis”[23]. Uma verdadeira fortuna! Quantia que o Comendador julgava suficiente para concluir as obras da Matriz.

A partir de 1854, quem assume as obras da igreja é a viúva do Comendador Thereziano, dona Maria Teresa de Souza Fortes. Ajudada por seu irmão, o Comendador Carlos Teodoro de Souza Fortes, e por seu sobrinho, doutor Gabriel Ploeskelek, além de ceder mais escravos para a causa, doou mais dinheiro e outras tantas arrobas de café. Foi ela quem contratou o renomado José Maria Villaronga Y Panella, um artista catalão recém-chegado da Europa, que residia na vizinha Valença/RJ à época.

Villaronga tinha as habilidades de engenheiro, pintor, decorador, arquiteto e restaurador. Com ele chegaram novas ideias e muitos artífices, como marceneiros e mestres em cantaria. Atribui-se a Villaronga o toque a mais de requinte e acabamento de portas e janelas, ricamente desenhadas, além de outras novidades arquitetônicas, de estilo neoclássico, que acentuaram a riqueza e opulência da majestosa Matriz de Rio Preto.

Foto: Rodrigo Magalhães

Curiosidades

Chama-nos a atenção, de início, o tempo de duração da obra de construção do templo: vinte e cinco anos! Mesmo em se tratando de uma edificação grandiosa e rica em detalhes e acabamento, o lapso de tempo de 1835 a 1860 é excessivo se comparado com o prazo consumido na edificação de outras igrejas correlatas em Minas Gerais e no Brasil colonial.

A tradição oral aponta um grave acidente que teria ocorrido durante as obras como causa para a demora na concretização do templo. Fala-se que uma surpreendente queda do telhado e consequente desabamento de todas as paredes da igreja, que já se encontrava com a capela-mor pronta e acabada, inclusive, teria ferido mortalmente dezenas de escravos que no momento do acidente trabalhavam nas obras da matriz.

No entanto, faltam-nos documentos fidedignos para incluir esse acidente na historiografia local, não obstante a comprovação da existência de um cemitério exclusivo para os operários mortos durante as obras seja um nexo causal plausível para se acreditar na ocorrência do referido desabamento.

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Uma morada de casas foi construída nos fundos da Matriz em construção para abrigar as dezenas de escravos empregados nas obras. Mais adiante, próximo da beira do rio Preto e atrás das referidas moradias, fez-se necessário a instalação de um vasto e estruturado canteiro de obras, denominado na época de “Fábrica da Matriz”, conforme aparece em alguns documentos históricos[24].

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Consta, ainda, que anexo à fábrica foram sendo enterrados os corpos dos escravizados que perderam as suas vidas em decorrência de acidentes ocorridos nos trabalhos desempenhados nas obras de construção da Matriz. Fala-se em dezenas de mortes, especialmente na edificação do segundo pavimento da igreja. Por esse motivo, de acordo com documentos da época o lugar passou a ser conhecido por “Cemitério da Fábrica da Matriz[25].

Registra-se, ainda, que mesmo após a inauguração do novo templo, outros escravos falecidos no município continuaram a ser enterrados no local, motivo pelo qual passaram a denominar essa região de “Cemitério de Escravos”.

Arquivo Morto da comarca de Rio Preto/MG.

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Interessante notar que a Matriz de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto apresenta dois estilos arquitetônicos: teve influência Barroca nos primeiros anos de construção, mas foi terminada em estilo Neoclássico.

Quando do início das obras, na ocasião em que o Capitão João era o principal responsável pela construção, a planta baixa da igreja foi feita no estilo Barroco, com alguns elementos arquitetônicos nesse estilo também, como por exemplo, as janelas das laterais, onde se vê que o desenho dos arcos se assemelham a cangas de boi, um estilo desenvolvido na Holanda e trazido pelos portugueses para o Brasil Colônia, na época do Barroco.

Com a chegada do catalão Villaronga, a planta foi modificada e a Matriz recebeu influência neoclássica nos últimos anos de conclusão da edificação. Por isso se observa que, na parte frontal do templo, ao contrário das laterais, os arcos das grandes portas de acesso são arredondados, assim como as rosáceas formando os vitrais na parte superior dessas portas, que por sua vez são características que receberam influência francesa, e foram trazidas ao país no período do café[26]. 

Pintura do artista Wesley Monteiro.

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A Matriz de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto é uma das poucas igrejas no Brasil que apresenta duas frentes: uma voltada para a então província de Minas Gerais (principal) e outra para a do Rio de Janeiro, onde ficava a Corte do país na época.

A fachada mais próxima do rio Preto obedeceu a planta original. Apresentando-se em estilo barroco, possui nove grandes janelas e uma porta, todas ricamente desenhadas em cantaria, ao contrário de outras edificações similares que apresentam tão somente pequenos basculantes na parte dos fundos. Essa frente de acesso secundário foi estrategicamente construída, voltada para a província do Rio de Janeiro a fim de impressionar os viajantes oriundos da Corte.

O acesso principal, por sua vez, é em estilo neoclássico, e além de grandes portais e janelas, também apresenta sacada e uma extensa escada em cantaria, com a presença de dois pirulitos nas extremidades. Ela é voltada para antiga Rua dos Mineiros, logradouro pelo qual chegavam à Vila do Rio Preto os viajantes oriundos das Minas Gerais, especialmente de São João Del Rey, cidade de origem dos membros da família Fortes[27].

Foto: José Luiz Cunha Jr.

Os nobres

Finalmente, no dia 26 de setembro de 1860, a nova Igreja foi inaugurada e, em reconhecimento a essa notória contribuição pública, devido à magnificência da Matriz construída, aliado à posição de destaque política e econômica de Rio Preto no cenário nacional àquele período, alguns meses depois dona Maria Tereza recebeu do Imperador o título de Baronesa (cinco de fevereiro de 1861). E, alguns anos depois, por meio de um Decreto Imperial datado de dezessete de abril de 1867, Maria Teresa Souza Fortes foi agraciada com o título nobiliárquico de Viscondessa do Monte Verde, tornando-se a única mulher a merecer a titulação de Viscondessa em toda a Província de Minas Gerais, sendo uma das 26 mulheres agraciadas pelo Império Brasileiro em mais de um milheiro de homens, excluídas as esposas dos titulares, às quais se estendia o título, por hábito de cortesia e de nobiliarquia[28].

Por essa razão, foi sepultada à frente do altar mor, onde há uma lápide informando que "Aqui jaz a fundadora dessa Matriz". E ao seu lado, repousam os restos mortais de seu irmão, Carlos Teodoro de Souza Fortes, que muito coadjuvou na conclusão das obras da Matriz, e que por essa razão também chegou a receber de Dom Pedro II o título de Barão de Santa Clara, por Decreto Imperial de dez de junho de 1882[29].

Foto: Rodrigo Magalhães

As torres

Por fim, registra-se que pela planta original da igreja Matriz Senhor dos Passos de Rio Preto, vê-se que as partes mais altas das torres deveriam ser arredondadas, seguindo o desenho das portas e janelas, em estilo neoclássico. Mas fato é que a imponente Matriz foi inaugurada em 1860 sem as torres.

E os sinos? A fim de abrigar o sino, edificou-se um monumento importante, separado do corpo principal da igreja, que por muitos anos foi uma peça de grande destaque na cidade de Rio Preto, muito embora poucos saibam de sua existência: o campanário do Largo do Rosário, também chamado de "torre sineira". Era, na verdade, uma torre edificada na lateral da igreja para abrigar os sinos, que soavam para indicar eventos religiosos, casamentos e funerais.  

Consta que a Igreja permaneceu de 1860 até 1925 sem esse aparato, quando foram construídas as primeiras torres, com suas cópulas mais arredondadas, nos moldes da planta desenhada pelo engenheiro (Nicolas) contratado para esse fim, com espaço suficiente para abrigar o sino no próprio edifício da igreja. A inauguração aconteceu no dia 18 de outubro de 1925, em meio a uma grande festa. Afinal, era o que faltava para o enriquecimento artístico e arquitetônico da Matriz.

No entanto, menos de três décadas depois foram construídas novas torres, com suas cópulas mais altas e menos arredondadas. Sabe-se que foram construídas em 1953, durante a permanência do Padre José Eugênio Côrrea à frente da Paróquia de Rio Preto (1947/1957). Mas não se sabe ao certo se as torres antigas, 48 anos depois de inauguradas, apresentavam problemas estruturais ou se foram construídas as novas torres por motivos estéticos, a fim de se adequarem aos padrões então vigentes[30].

Foto: Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG.

Os pirulitos

Um dos monumentos históricos mais curiosos e simbólicos da cidade de Rio Preto atualmente são os "pirulitos" da escadaria da Matriz de Nosso Senhor dos Passos. Trata-se de esculturas em pedra, provavelmente realizadas pelo catalão Villaronga, o famoso arquiteto, construtor e pintor que foi contratado pela Viscondessa do Monte Verde para terminar as obras da suntuosa Matriz da cidade.

São diversos os destacados trabalhos de acabamento, em cantaria, presentes na Matriz, como nas portas, janelas e rodapés. Mas certamente os degraus frontais da igreja são os que mais chamam atenção, pelo fato de situarem na entrada da Matriz e defronte a majestosa praça ajardinada.

Todavia, é na parte baixa da imponente escadaria de pedras, nas extremidades laterais inferiores, junto ao primeiro degrau, quase no nível do calçamento em paralelepípedo do logradouro de acesso, que se encontram os referidos pirulitos, obras de artes cada vez mais difíceis de serem encontradas nas cidades históricas brasileiras. 

Poucos sabem que esses pirulitos têm origem na pré-história, e que essas pequenas colunas de pedra fincadas defronte a Matriz de Nosso Senhor dos Passos são testemunhas do passado glorioso de Rio Preto, pois o órgão copulador masculino ereto era o símbolo de virilidade, fertilidade e fartura da cidade, valendo pela benção e proteção.

Eles são frades de pedra como os marcos de sesmaria, mas são mais raros e difíceis de serem encontrados em perfeito estado de conservação. Por isso é dever de todos munícipes zelar para que esses monumentos não sejam danificados, porque estão ali há 160 anos e fazem parte do cenário histórico, do patrimônio cultural e da ambientação urbana de Rio Preto.

Foto: Rodrigo Magalhães

*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano



[1]Livro de Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

[2] Artigo de autoria do padre Francisco Bernadino de Souza, que participou da inauguração da Matriz. Revista Popular, tomo décimo, Rio de Janeiro, 1861.

[3] Livro de Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

[4] Livro “Rio Preto, nossa história”, de Rita Maria Souza Lima Leal Lamanna (2006).

[5]Livro “Descoberto da Mantiqueira – O Sertão Prohibido do Rio Preto”, de Rodrigo Magalhães (2017).

[6] Jornal O Município, nº 157, Rio Preto, 1960.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] Livro de Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

[10] Jornal O Município, nº 157, Rio Preto, 1960.

[11] Idem.

[12] Instituições de Igrejas no Bispado de Mariana – SPHAN nº 13. Rio de Janeiro, 1945.

[13] Jornal O Município, Nº 157. Rio Preto, 1960.

[14] Livro “Descoberto da Mantiqueira – O Sertão Prohibido do Rio Preto”, de Rodrigo Magalhães (2017).

[15] Livro de Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

[16] Livro “Descoberto da Mantiqueira – O Sertão Prohibido do Rio Preto”, de Rodrigo Magalhães (2017).

[17] Jornal O Município, Nº 157. Rio Preto, 1960.

[18] Livro de Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

[19] Idem.

[20] Jornal O Município, Nº 157. Rio Preto, 1960.

[21] Idem.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] Arquivo Morto da comarca de Rio Preto/MG.

[25] Idem.

[26] Entrevista com o restaurador Marcos Machado.

[27] Idem.

[28] Livro “Descoberto da Mantiqueira – O Sertão Prohibido do Rio Preto”, de Rodrigo Magalhães (2017).

[29] Idem.

[30] Artigo de autoria do pesquisador e historiador Rodrigo Magalhães.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

DAVI CAMPISTA: EXPOENTE REPUBLICANO QUE INICIOU A SUA TRAJETÓRIA POLÍTICA EM RIO PRETO

 Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*

Davi Moretzsohn Campista nasceu no Rio de Janeiro, então capital do Império, no dia 22 de janeiro de 1863. Após viver parte da infância em Juiz de Fora/MG, concluiu os cursos primário e secundário no internato do Colégio Pedro II e no Colégio Aquino, no Rio de Janeiro/RJ. Mudou-se para São Paulo/SP, onde se formou em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1884. Após graduar-se, veio advogar em Rio Preto/MG, provavelmente em razão de suas ligações familiares com Juiz de Fora.

Em Rio Preto

Fixou residência e escritório de advocacia na Rua Direita (atual Rua Dr. Esperidião), o principal logradouro da cidade de Rio Preto. Casou-se com Jovita Maia, filha de tradicional família da região, com quem teve três filhas e um filho, ao qual deu o nome de Rui em homenagem a Rui Barbosa.

Acredita-se que por interferência de algumas lideranças políticas e econômicas de Juiz de Fora, entre as quais se incluía seu tio Luís Eugênio Horta Barbosa, Davi Campista foi nomeado Promotor Público, o primeiro da comarca de Rio Preto.

Nesses primeiros anos em que residiu em Rio Preto se dedicou ainda com afinco à música e à pintura. Ele é o autor de uma bela pintura que denominou de “Lázaro Ressuscitado”, com o qual presenteou o médico e político doutor Affonso Portugal, outra figura importante de Rio Preto à época e seu amigo próximo na cidade.

 Doutor Davi Campista era também uma pessoa politizada. Republicano convicto desde os tempos da faculdade, por solicitação dos responsáveis pelo movimento em Minas, ele acabou fundando o “Clube Republicano” na cidade, onde se tornou uma respeitada liderança política e acabou sendo nomeado Agente Executivo (Prefeito) do município de Rio Preto.

Foi transferido para São Paulo de Muriaé (atual Muriaé/MG), em razão de seu republicanismo radical. Mas em pouco tempo se exonerou do cargo, e em 1888 retornou para Rio Preto, onde permaneceu com a propaganda republicana na pequena cidade onde iniciara a sua trajetória política.

Homem muito culto e ligado às artes, o erudito doutor Davi Campista fundou a primeira tipografia da cidade - “TYPOGRAPHIA D’O RIO PRETO”, e com ela criou também o pioneiro jornal – “Jornal Rio Preto”.

No Congresso Nacional Republicano ocorrido em Juiz de Fora no ano de 1889, Davi Campista foi indicado pelos pares candidato à Assembleia Provincial, eleição que não chegou a realizar-se em razão da proclamação da República, em 15 de novembro.

Mas em 1891, foi indicado por Cesário Alvim, então presidente de Minas (Governador), presidente do Conselho da Intendência de Rio Preto (Prefeito), que exercia as funções de Câmara Municipal, onde rapidamente se destacou, consolidando-se como um administrador à frente de seu tempo. Ele foi o autor do primeiro Estatuto da Câmara e da legislação tributária do município, que mereceu posteriormente elogios do subsequente presidente da província de Minas Gerais, Francisco Salles, que afirmou ser “o melhor e mais completo estatuto municipal já elaborado”, razão pela qual serviu de modelo para diversos outros municípios mineiros.

Demonstrando preocupação com a preservação do patrimônio histórico, rearranjou o antigo paredão de pedras do centro da cidade e, na saúde pública, teve atuação decisiva na fundação da Santa Casa de Misericórdia local, onde foi provedor. Por todos esses feitos, recebeu uma carta de felicitações do então governante provisório de Minas Gerais, João Pinheiro, com a exclamação: “_ Ah! Se tudo andasse como em Rio Preto...

No cenário político nacional e internacional

A sua exímia administração em Rio Preto – que a tradição oral designa de “Era Davi Campista” - foi precocemente interrompida em 1891, quando se elegeu deputado estadual constituinte na legenda do Partido Republicano Mineiro (PRM). Rapidamente também ganhou notoriedade na Assembleia, onde se tornou membro da Comissão de Justiça, chegando a ocupar a Vice-Presidência e a Presidência da mesma. Conta-se que Afonso Pena, ouvindo-o, certo dia, postou-se a seu lado para melhor aplaudi-lo e, desde então, tornou-se um admirador e amigo de doutor Davi Campista.

Quando no ano seguinte Afonso Pena assumiu a presidência da província mineira, convidou Davi Campista para ser seu Secretário de Agricultura e Obras Públicas, função que desempenhou por aproximadamente dois anos. À frente de tão importante pasta, foi responsável pela organização da comissão construtora da nova capital mineira – Belo Horizonte.

A seguir, foi designado representante do governo de Minas na Itália (falava italiano fluentemente), ao longo do governo de Bias Fortes, com o fim de supervisionar o serviço de imigração, tão fundamental no período de transição para o trabalho livre no Brasil. Nesse posto, baseado em Gênova, conseguiu introduzir 50 mil italianos em Minas Gerais. No governo de Silviano Brandão assumiu novamente o posto de Secretário de Estado, desta vez na Secretaria de Finanças.

Em 1903, tendo Rio Preto e Juiz de Fora como principais redutos eleitorais, foi eleito Deputado Federal por Minas Gerais na legenda do PRM. Ao lado de jovens parlamentares, como Gastão da Cunha, enfrentou experientes adversários, como os ilustres Barbosa Lima e Miguel Calmon, que os taxavam de inexperientes, ao que Davi Campista assim respondeu: “_ Para a honra de Minas, peço que cessem os argumentos da inexperiência. Todos somos igualmente representantes de Minas. Não considero a madureza da idade como presunção da madureza do juízo”.

Em 1906, tornou-se Ministro da Fazenda no governo do então Presidente da República Afonso Pena. Ao longo de sua gestão, as finanças públicas estiveram em equilíbrio, o câmbio em estabilidade e as despesas governamentais foram reduzidas. Destacando-se tanto, ao se aproximar a sucessão presidencial, seu nome apareceu como uma das alternativas possíveis, mas não chegou a disputar a eleição, sendo que a elite política mineira o considerava uma liderança por demais autônoma em relação ao PRM.

Davi Campista foi ainda um dos fundadores da Faculdade de Direito de Ouro Preto, onde exerceu o magistério. Publicou na Itália o livro Lo stato di Minas Gerais e, no Brasil, o livro Consolidação das leis fiscais, além de ter escrito vários artigos para jornais de circulação nacional. Em algumas ocasiões usou o pseudônimo Cifra.

Em 1910, foi nomeado pelo Presidente da República, Nilo Peçanha, como Embaixador do Brasil na Noruega e na Dinamarca. No ano seguinte foi indicado para ocupar a Embaixada Brasileira em Paris, cargo que não chegou a tomar posse, uma vez que Davi Campista veio a falecer em Copenhague, no dia 12 de outubro de 1911, vítima de tuberculose.

Entre as diversas homenagens póstumas concedidas a esse ilustre personagem da história nacional, receberam o nome Davi Campista logradouros nas cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, Escolas Estaduais em Minas Gerais e até mesmo uma colônia estrangeira. Em Rio Preto, onde ele iniciou a sua carreira profissional e sua brilhante trajetória política, um dos cartões postais mais icônicos do centro da cidade foi denominado de “Paredão Davi Campista”, em sua homenagem!

FONTES:

·         Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC);

·         Ministério da Fazenda;

·         Arquivo Público Mineiro;

·         LAMANNA, Rita Maria Souza Lima Leal. Rio Preto, nossa história. Valença: PC Duboc, 2006. 

*Rodrigo Magalhães é pesquisador e historiador riopretano

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

GRUTA DA ÁGUA SANTA: MISTÉRIOS, LENDAS E RELIGIOSIDADE!

 Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*



O local que atualmente é mais conhecido por “Gruta do Funil” foi o pioneiro em atrair turistas ao município de Rio Preto. Trata-se de uma montanha alta, constituída de grandes pedras e areia branca que, próximo ao cume plano com 1 104 metros de altitude, abriga uma extensa cavidade (cerca de 750 m²) que é a porta de entrada para outros diversos salões existentes no interior da caverna. Esse lugar é considerado místico e sagrado desde as primeiras décadas do século 20, quando se tornou local de peregrinações e turismo religioso.

A tradição oral sustenta que a água que nasce nas pedras situadas nessa gruta seria “santa”, dotada de poder medicinal, capaz de curar diversas doenças. Afirmam, ainda, que as curas obtidas por meio dessa água foi o que motivou a fundação de uma capela improvisada no primeiro salão da caverna, na medida em que muitos desses fiéis retornavam para agradecer as graças obtidas e deixavam imagens de santas no interior da gruta, como as de Nossa Senhora das Graças e Nossa Senhora do Amparo. Por esse motivo, rapidamente o lugar se tornou sagrado e passou a ser chamado pelos devotos de “Gruta da Água Santa”. Para a Igreja, que o recebeu como doação de dona Felisbina Gomes, é “Gruta de Nossa Senhora”!

É certo que diversas peregrinações partiam rumo ao cume da montanha para buscar um pouco da “água milagrosa que curava”, no interior da gruta, onde a seguir teve início as celebrações religiosas em um altar improvisado, como missas, batizados e casamentos. Oficialmente, a primeira missa teria acontecido aos 16 de outubro de 1932, celebrada pelo pároco de Rio Preto à época, o vigário Domingos Nardy. Mas foi depois da chegada do padre Ceslau Martinho à paróquia, em 1934, que o lugar passou a ser incrementado pela Igreja Católica, e teve início as concorridas festas do Funil no dia da padroeira local – N. S. da Glória.

Um novo altar foi edificado no primeiro salão da gruta, que recebeu a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, oferecida pelo coronel Antônio Ferreira de Oliveira Júnior. Um púlpito de cimento sobre uma pedra foi construído em 1937. E, finalmente, aos 13 de agosto de 1940 foi colocada uma cruz de mármore sobre o altar, adquirido pela quantia levantada através de leilões organizados todos os meses por ocasião das missas.

 Antigos moradores locais aventam ainda outras estórias para explicarem a origem do nome mítico do lugar, como a que “no século 19 ali viveu sozinho um monge ermitão, tornando o lugar sagrado”.  A mais conhecida delas está relacionada a uma “imagem de Nossa Senhora” desenhada pela água que, misteriosamente, teria surgido em um muro de alvenaria construído na gruta para conter a areia que estava a soterrar a entrada do salão onde fica o altar.  

Um pouco de lenda e de verdade. Fato é que o lugar que servia de abrigo para tropeiros no século 18, hoje é o principal cartão postal da região e atraí todos os finais de semana dezenas de visitantes, dentre turistas, curiosos e fiéis!



*Rodrigo Magalhães – pesquisador e historiador riopretano.

FOTOS: Bruno Hiacomam

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

IGREJA DO ROSÁRIO: VERDADEIRA JOIA HISTÓRICA E ARQUITETÔNICA DE RIO PRETO!

 Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*


A Igreja do Rosário de Rio Preto é uma verdadeira joia histórica e arquitetônica do Brasil colonial, que conta com quase dois séculos e meio de existência. Com certeza é o principal símbolo da história colonial dessa cidade do interior de Minas Gerais. Visitar a Igreja do Rosário e conhecer a sua história é como voltar no tempo e mergulhar na época do Brasil Colônia!

Não se sabe quando a construção foi iniciada, nem mesmo a data em que a obra foi concluída. É certo, porém, que se trata de uma construção do final do século XVIII, conforme informa o Dossiê do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Praça Barão de Santa Clara e Rua Dr. Esperidião, elaborado pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de Rio Preto, em 2002.

Nesse sentido, atesta um documento datado do final dos anos setecentos que, confeccionado por alguns moradores da incipiente Arraial, dirigiam-se ao responsável pelo Curato de Barbacena, ao qual pertencia a povoação do Presídio do Rio Preto àquela época, reiterando os pedidos anteriormente encaminhados no sentido de se enviar um padre para a localidade, sendo que a Igreja (do Rosário) já estava concluída há muitos anos.

Além disso, o fato de sua frente ser voltada para a Estrada Velha (atual rua Viscondessa do Monte Verde), porta de entrada da cidade durante o século XVIII, corroborado por alguns documentos obtidos que apontam batizados ocorridos na Igreja do Rosário nos primeiros anos oitocentistas, sugere essa antiguidade. Consta também a realização de missas e outras celebrações desde as primeiras décadas oitocentistas na Capela-mor dessa igreja, sendo que um padre chamado Antônio Vicente de Almada já era morador de Rio Preto nessa época, conforme declarou em seu pedido de sesmaria datado de 1811.

O nome da igreja foi escolhido em homenagem a Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito, que eram os santos de grande devoção dos escravos, como era comum nas Minas Gerais setecentistas. Por isso, a igreja do Rosário foi construída para esses negros (excluídos) cristãos, que no tempo colonial eram proibidos de frequentar a igreja dos homens brancos (capela do Senhor dos Passos, no Morro dos Beatos, chamada de Matriz Velha). As paredes são de taipa com quase um metro de espessura e os altares de madeira.

Alguns autores atrelam erroneamente a construção da Igreja do Rosário à data de chegada do primeiro capelão ao Arraial de Rio Preto: meados de 1821. Ele se chamava frei Henrique D’Anunciação Got e trazia licença do vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca, padre Agostinho Vidal Pinheiro. Frei Henrique, na verdade, fundou a Irmandade do Rosário nessa época, que foi a primeira Associação Eclesiástica de Rio Preto.

Por meio das esmolas dos fieis arrecadadas pela Irmandade e, principalmente, devido à coadjuvação dos irmãos Tenente-Coronel Manoel Gomes de Oliveira Lima e Capitão José Gomes de Oliveira Lima[1], abastados mineradores e fazendeiros locais, a Igreja do Rosário foi reformada e melhorada para servir de “Matriz” à Paróquia, criada em 1832.



[1] Almanak Laemert, 1860.






Parte da história nacional

A Igreja do Rosário entrou para a história de Minas Gerais e do Brasil durante a Revolução Liberal de 1842, da qual Rio Preto tomou parte saliente. Na guarnição militar que compunha o Quartel do Presídio do Rio Preto, anexo ao Registro, foi-se formando o Ponto do Rio Preto, uma espécie de Acampamento Militar composto por mais de 1000 praças e oficiais de Cavalaria e Infantaria da Guarda Nacional, de várias Legiões, Grupos e Companhias das Províncias de Minas Gerais e também do Rio de Janeiro.

E foi nessa igreja que se montou um quartel-general, onde os comandantes das tropas – como Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês do Paraná), Luiz Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias) e seu irmão, o coronel José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho (Visconde de Tocantins) – permaneceram até a arrancada para a batalha final de Santa Luzia.

Assim, no dia 16 de setembro de 1842, no vitorioso retorno depois de debelada a Revolução Liberal, o Comandante Geral das Tropas, Duque de Caxias, mais uma vez se reuniu com os seus comandados em Rio Preto. Ele novamente fez da singela Igreja Nossa Senhora do Rosário, seu quartel-general, e nela assistiram a um Te Deum (hino cristão).


Personagens

Devido a toda essa antiguidade e à importância histórica dessa Igreja, alguns membros das famílias mais abastadas da época escolheram serem sepultados em seu interior. Essa foi a vontade registrada em testamento pelo potentado proprietário da Fazenda São José, renomado militar (Tenente-Coronel da Guarda Nacional) e nobre brasileiro, José Gomes de Oliveira Lima – o Barão de São José, que foi “sepultado no dia 18 de julho de 1872 dentro da Capela de Nossa Senhora do Rosário[2].

Esse também foi o desejo de Maria Roza do Espírito do Santo, a Baronesa de São José. Ela faleceu na Fazenda São José, em 1875, e está enterrada dentro da Igreja do Rosário, templo que ela e o marido muito contribuíram para restaurar com recursos próprios, atribuindo-lhe a aparência atual[3].

Por fim, encontra-se sepultado à direita do portal principal de acesso a Igreja do Rosário o padre José Ignácio de Souza Bittencourt, outro personagem riopretano de destaque. Logo após se ordenar padre em Mariana/MG, retornou para a sua cidade natal, onde ocupou o lugar de Cônego. Foi nomeado Vigário Forâneo, Delegado Paroquial e Consultor Diocesano. Era chefe político dos “Jagunços” e foi presidente da Câmara dos Vereadores (prefeito) de Rio Preto por dois mandatos[4].

Padre Zé, como era carinhosamente conhecido na cidade, reorganizou a Irmandade do Rosário, em 1913, dirigindo-a como “Juiz Mor”. Ele celebrava as suas missas na Igreja do Rosário, onde foi sepultado aos 20 de março de 1935[5]. Logo na entrada da igreja existe uma grande pedra de mármore branco em meio às tábuas corridas do piso do bicentenário templo, onde se lê: “Aqui jazem os restos mortaes do Conego Jose Ignacio de Souza Bittencourt...”

* Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano



[1] Almanak Laemert, 1860.

[2] Arquivo Morto da comarca de Rio Preto/MG.

[3] Idem.

[4] Primeiro Livro do Tombo da Paróquia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto.

[5] Idem.

DAS LITEIRAS DO IMPÉRIO AOS PRIMEIROS AUTOMÓVEIS: BREVE HISTÓRICO DOS VEÍCULOS EM RIO PRETO

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