Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*
| Barão do Rio Verde (foto de internet) |
De
acordo com a lei, a arguição de insanidade mental é a defesa na qual alega-se
que, devido a questões relacionados à faculdade mental (doenças psiquiátricas
ou deficiência mental), o réu não pode ser responsabilizado por suas ações.
O
tema é bastante polêmico, porque envolvem paradoxos morais, questões de
direito, de medicina legal e até mesmo de filosofia. Sendo assim, na maioria
das vezes existem pontos de vista divergentes em relação à defesa de um insano.
Enquanto alguns consideram a alegação de insanidade mental um argumento de
defesa legítimo, uma vez que a atitude do insano é desprovida de dolo
(intenção), outros encaram a alegação apenas como uma desculpa para escapar da
cadeia.
A isenção do indivíduo considerado insano de punição criminal data desde o Código de Hammurabi. No Brasil, referências à alegação por insanidade mental são encontradas no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689), de três de outubro de 1941. Mas foi um trágico crime ocorrido aos trinta de dezembro de 1864, em São Gonçalo do Sapucaí/MG, que colocou essa temática em evidência no país, causando uma série de debates nos principais jornais da Corte, especialmente entre os respeitados juristas e médicos-legistas que participaram de três concorridas e agitadas sessões do Tribunal do Júri.
É que o afamado barão
do Rio Verde havia sido brutalmente assassinado naquela data, bem no Largo da
Matriz de São Gonçalo do Sapucaí, por Joaquim Gomes de Souza Júnior, médico
casado com sua sobrinha Adelaide Carolina de Lemos, um homem visivelmente
perturbado e atormentado na época dos fatos.
E
em meados do século XIX, certamente era ainda mais tênue a linha que separa o assassino
do louco. Por essa razão foram necessários três julgamentos para se concluir que
foi a ‘demência do insano’, e não a ‘perversão do criminoso’ que guiou as atitudes
do médico doutor Joaquim Gomes.
Hoje
narraremos esta trágica e intrigante história, que teve Rio Preto/MG como palco
em determinado período, e ganhou grande repercussão em todo o país. Boa
leitura!
Dr.
Joaquim Gomes
Joaquim
Gomes de Souza Júnior nasceu em Piraí/RJ, no dia dezessete de junho de 1817.
Era filho do abastado fazendeiro Joaquim Gomes de Souza e de dona Maria Isabel de Souza Portugal, destacados cafeicultores da região, residentes na fazenda
Barra Limpa, onde chegaram a possuir uma centena de escravos. Júnior foi cursar
medicina no Rio de Janeiro, e tão logo se formou médico, retornou da Corte para
Piraí, onde em fevereiro de 1846, o jovem doutor Joaquim Gomes se casou com Adelaide
Carolina de Lemos.[1]
Conta-se
que o matrimônio foi arranjado por barões, como era muito comum na época dos
títulos nobiliárquicos. Teria sido resultado de um acordo celebrado entre o avô e tio
dela, o barão do Rio Verde, e o parente pelo
lado materno do jovem médico, o potentado barão do Rio Preto (futuro visconde),
um dos principais cafeicultores do país, residente em Valença/RJ. Consta que
ela tinha apenas 17 anos (ele, 28), e era uma jovem muito atraente, de beleza
singular.
O
jovem casal foi residir em Campanha, povoação sede do município ao qual pertencia a freguesia de São Gonçalo de Sapucaí à época,
onde o principal personagem do município era o barão do Rio Verde que,
inclusive, foi padrinho do casamento. Ali nasceram os três primeiros filhos do
casal, que em 1849 se mudou para Rio Preto, então um próspero município da zona
da mata mineira.
| Antiga Rua Direita Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG. |
Em
Rio Preto
A
essa altura doutor Joaquim Gomes já era um cirurgião afamado, e por esse motivo
foi contratado pelo comendador Thereziano Fortes, o mais rico proprietário
rural do município, morador do Solar dos Fortes, a casa sede da fazenda de
Santa Clara – a famosa edificação de 365 janelas. Thereziano, entre outros
investimentos, era exportador de café, e possuía mais de um milheiro de
escravizados de origem africana espalhados pelas diversas fazendas que ele
possuía no vale mineiro-fluminense do Rio Preto. Por essa razão, além de
possuírem enfermarias em suas fazendas, Thereziano tinha contratos com
profissionais médicos, alguns fazendo assistência preventiva até mensalmente.[2]
Além
dos serviços prestados aos Fortes, doutor Joaquim Gomes possuía clínica na vila
do Rio Preto, onde realizava atendimento e também cirurgias. Ali nasceram mais
quatro dos filhos do casal, entre eles Jaime Gomes de Souza Lemos (1858),
futuro pai de Sarah Kubistcheck.
Com
o tempo, doutor Joaquim Gomes se tornou uma figura de destaque em Rio Preto. Além
de médico formado, ele era parente pelo lado materno do barão de São José,
outro potentado fazendeiro e político local.[3]
Por essa razão, ele foi nomeado Agente Fiscal e até mesmo Delegado de Polícia
da vila sede do município.[4] E
com a venda das herdades em Piraí, ele acabou comprando uma propriedade rural
no município, e em 1859 já aparecia entre os grandes cafeicultores de Rio
Preto.[5] Esta
fazenda se chamava São Germano[6] e
se situava em região distante da vila, nas proximidades da Serra Negra da
Mantiqueira.
Os
primeiros sinais de loucura
Por
esse motivo, causou estranheza aos munícipes o fato de o doutor Joaquim Gomes ter
se mudado com a esposa e os muitos filhos, todos ainda pequenos, para local tão
distante da urbe. Ainda mais que o mesmo possuía casa e clinica médica na vila,
além dos cargos públicos de destaque que ocupava na comunidade.
Com
o passar dos meses, com o doutor Joaquim Gomes cada vez mais ausente da vila,
em 1861 ele acabou sendo destituído dos cargos de Agente Fiscal e de Delegado.
A esta altura já era notório na vila as muitas ‘atitudes estranhas’ do doutor Joaquim
Gomes, presenciadas por muitos munícipes, especialmente por seus amigos mais
próximos, que passaram a colocar em dúvida a sua faculdade intelectual e a
sanidade mental.
Se
antes era figura de destaque na sociedade local, agora passou a ser visto como
um doente perigoso, na medida em que demonstrava piora em quadro típico de
doença mental. Pelos relatos da época, doutor Joaquim Gomes se tornou um homem
em profunda agonia. Entre numerosos ‘episódios esquisitos’ passados em Rio
Preto, que o colocaram na condição de um homem visivelmente perturbado e
atormentado, perdido em um labirinto muito próprio, que no decorrer do tempo o
conduzia para um nível ainda pior de alienação, isolamento e descolamento da
realidade, citaremos apenas alguns.[7]
Consta
que no final do ano de 1860, doutor Joaquim Gomes entregou uma carta a sua
esposa Adelaide, “em que laconicamente
lhe dizia o ultimo adeus, e saindo caminhou a pé e descalço a distância de duas
léguas e meia (15 Km), pousando em
casa de José de Souza e Silva (Sítio São Jorge), de onde só regressou no dia imediato devido ás instâncias de sua família”.
Alguns
meses depois, doutor Joaquim Gomes apareceu no terreiro da fazenda do capitão
Manoel Joaquim da Silva Pinto, “descalço
e com as calças molhadas, e parando no meio do terreiro, ajoelhou-se, e
curvando até pôr o rosto sobre a terra, assim permaneceu por um espaço de um
quarto de hora mais ou menos”, até que o fazendeiro proprietário lhe
pedisse que se levantasse, e tendo-o feito, pôs as mãos como para orar, pedindo
ao fazendeiro “que rogasse a Deus por
ele, visto como se considerava um miserável pecador”, e saiu em direção a Serra
Negra.
Doutor
Joaquim Gomes nos últimos meses procurou pelo padre João de Souza Godinho, e
disse-lhe que “há seis meses, dirigiu-se
à casa de seu pai em Piraí/RJ, e dizendo-lhe que havia estado com a sua mãe
(falecida há 30 anos), e que esta lhe havia falado”. Relatou também ao
padre da vila do Rio Preto “que padecia
constantemente de dores de cabeça”, e que “por vezes lhe apareciam pessoas já falecidas”.
Por
fim, chegou às autoridades constituídas da vila a notícia de que o doutor
Joaquim Gomes “tem passado dias encerrado
com a sua família trazendo portas e janelas fechadas com cadeados, com medo de
ser assassinado, e que ele tem mais de cinco armas de fogo carregadas dentro de
sua casa”.
| Casa de Câmara e Cadeia onde doutor Joaquim ficou preso. Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG. |
A
prisão
Desta
forma, no dia quatorze de maio de 1862, o delegado de polícia da vila do Rio
Preto, procurando salvaguardar a integridade física do doutor Joaquim Gomes, de
sua esposa Adelaide e de seus filhos, determinou a prisão do médico: “Tendo chegado ao meu conhecimento que o Dr.
Joaquim Gomes de Souza Júnior se acha bastantemente perturbado do juízo, a
ponto de maltratar a sua mulher e filhos com pancadas, trazendo-os diariamente
encarcerados em casa em um quarto e com armas de fogo, disparando-as de vez em
quando, ora dentro da casa toda fechada, ora pelas janelas, e julgando do meu
rigoroso dever prevenir qualquer desgraça, que pudesse acontecer, mandei
prendê-lo”.
Recebido
o Auto de Prisão do médico, o juiz do termo determinou a instauração do
competente processo de Insanidade Intelectual contra o doutor Joaquim Gomes,
ordenando que o mesmo fosse submetido a exame, que foi realizado por dois
médicos locais, que apesar de reconhecerem confusão mental, concluíram que ele
estava no “uso perfeito de suas
faculdades intelectuais, e capaz de continuar no exercício e gozo da
administração da sua pessoa e de bens”. Por essa razão, o juiz mandou
soltá-lo.
Mas
no dia seguinte, apareceu na vila do Rio Preto o pai de dona Adelaide, Francisco
Antônio de Lemos, irmão do barão do Rio Verde, em companhia de um filho deste
último, o médico doutor Maximiano Antônio de Lemos, que requereu a realização
de um novo exame no doutor Joaquim Gomes, agora por médicos residentes em
Valença. Desta feita, foi informado ao juiz que o mesmo “tem tido atos que demonstram o estado
imperfeito de suas faculdades intelectuais”, e que “atribui esses atos a um inimigo oculto, que intenta assassiná-lo”.
Demente
e incapaz
Assim
sendo, no dia vinte de maio o juiz ordenou que buscassem dona Adelaide Carolina
Lemos e os filhos do casal, e os colocou em casa de um cidadão idôneo da vila do
Rio Preto – Antônio Florêncio Pinto de Noronha, conforme solicitado pelo seu
primo doutor Maximiano Lemos.
Quatro
dias depois, dona Adelaide prestou depoimento perante o juiz, e narrou muitos “factos violentos e desarrozoados praticados
por seu marido”, e confirmou que “ela,
seus filhos e seus escravos foram vítimas das mais atrozes violências”
praticadas pelo doutor Joaquim Gomes. Por fim, relatou que “esses fatos aumentaram-se, e a perseguição
foi mais intensa, depois da chegada em sua casa do pai dela, e sobre tudo
depois da detenção que sofreu na casa da câmara ultimamente, começando aí mesmo
(depois que recebeu ordem de soltura), por maltratá-la com palavras, socos,
empurrões, etc.”
Desta
forma, no dia trinta de maio de 1862 o juiz de Rio Preto “julga o réu Dr. Joaquim Gomes de Souza Júnior demente e incapaz de
administrar a sua pessoa e bens”, e nomeia um curador para ele, “a pessoa de Francisco Lopes de Barros”.
Assim sendo, finalmente dona Adelaide (e os filhos) puderam se retirar em companhia
de seu pai e do seu primo, e se mudaram para São Gonçalo do Sapucaí, onde
passaram a residir com o barão do Rio Verde.
| Antiga Matriz de São Gonçalo de Sapucaí/MG portaldmoto.com.br |
O
barão do Rio Verde
João
Antônio de Lemos foi um notório empresário, político e nobre brasileiro. Era chefe
conservador do município de Campanha/MG e um dos primeiros povoadores de São
Gonçalo do Sapucaí. Coube a sua família (Lemos) a criação e a emancipação do
município de Passos/MG.
Destacou-se
na política do Império, participando da Assembleia Constituinte de 1823. Ainda
participou como suplente em legislaturas posteriores, e finalmente sendo
deputado por Minas do ano de 1832 a 1835.
Foi
o pioneiro na industrialização de chapéus no Brasil, tendo sua fábrica sido
instalada no ano de 1825, na sua cidade natal, São Gonçalo do Sapucaí, com tecnologia
importada de França. Para que tal tecnologia e métodos fossem trazidos da
Europa ao Brasil, ele enviou seu filho Lúcio de Lemos à França, este ainda
jovem, a fim de ali estudar a fabricação de chapéus. Foi a primeira fábrica de
chapéus de Minas Gerais e uma das primeiras do Império.
Em
virtude de seu destacado desempenho, especialmente sua notória contribuição
pública em São Gonçalo do Sapucaí, João Antônio de Lemos sendo agraciado com o
título de barão do Rio Verde, recebido em onze de outubro de 1848.
O
assassinato
Em
1864 o barão do Rio Verde contava com 75 anos, vivia confortavelmente no seu
suntuoso solar, situado defronte a praça da pequena povoação onde nascera. Em
sua companhia viviam Adelaide e os filhos. Era trinta de dezembro, e o
respeitado nobre e ilustre morador local, às 10 horas da manhã, iniciou a curta
caminhada da sua casa à igreja Matriz, que ficava do lado oposto da praça.
Quando
já se encontrava no pátio da igreja do arraial de São Gonçalo, e em frente
mesmo do Santo Cruzeiro ali erguido - como em toda a parte, como o símbolo da
paz e do martírio – eis que surge o doutor Joaquim Gomes com um punhal em uma
das mãos, e sem dizer sequer uma palavra, desfere nove golpes contra o barão!
E
quando o povo todo aterrado corria em massa para o lugar infausto, o doutor
Joaquim Gomes – arrancando o punhal ensanguentado da ultima ferida do cadáver
do infeliz octogenário – dizia, tranquilo e sereno: “Está feita a justiça de Deus!”
| Antiga sede do Hospício Pedro II, atual UFRJ (Foto de internet). |
O julgamento
No
primeiro julgamento, aos dez de fevereiro de 1865, na cidade de Campanha, foram
apresentados três pareceres médicos pela acusação, pela imputabilidade do réu.
Mas não adiantou, e o doutor Joaquim Gomes acabou condenado à pena de morte. A
abastada e influente família Lemos não economizou esforços – e nem dinheiro –
para obter a condenação maior: a pena capital! Para tanto contratou os
principais advogados do país, os Drs. Evaristo Ferreira da Veiga, Joaquim
Leonel Rezende Alvim e João Baptista Pimentel Lustosa.[8]
O
advogado do doutor Joaquim Gomes recorreu, e por meio de uma defesa mais
consistente, apoiada principalmente por diversos colegas de profissão do
acusado, no segundo júri obteve êxito em amenizar a pena, e o réu foi condenado
à prisão perpétua.
A princípio fomos nós
somente, que fizemos ouvir nossas vozes na tribuna da defesa; e hoje já temos
do nosso lado uma seita numerosa, valente e inteligente,
Este é um julgamento em
que o raciocínio e
a atenção quase se perdem inteiramente nos mistérios da fatalidade que pesa com
toda a sua força sobre o homem, para aniquilar a razão e a liberdade, estes
dotes mais preciosos do Criador á sua obra predileta!...
(...)
para repelir desde já o epiteto infamante
de assassino que se quer estampar perpetuamente na fronte desse desgraçado,
o princípio que invocamos a favor do
doutor Joaquim Gomes é a alienação mental, é a morte moral... Há poucos
convenientes em condenar um alienado... porque o efeito moral exercido sobre o
seu espírito pela condenação é nulo. Faltam-lhe as mais simples noções do justo
e do injusto![9]
– discursou o competente advogado.
Os
advogados de acusação contratados pela família Lemos não concordaram em ver o
réu livre da pena de morte, e recorreram: “Foi
um mal sem dúvida irreparável, já não dizemos para o sul de Minas, porém para
todo o Brasil, a morte do barão do Rio Verde, que antes de ter a nobreza do
título, já tinha a nobreza e as virtudes da alma. Ele finge ser monomaníaco!”.[10]
E
numa terceira sessão de júri, onde mais uma vez o doutor Joaquim Gomes fora
acusado de monomaníaco pela acusação, e a defesa requerendo a sua absolvição
por ser louco, ele acabou sendo internado em um hospício (D. Pedro II) na
Corte, até o julgamento definitivo.
Na
oportunidade o eminente advogado apresentou ao público uma série de documentos,
desde os primeiros sinais de loucura demonstrados pelo doutor Joaquim Gomes,
ainda em Rio Preto, e principalmente os depoimentos prestados pelo médico, além
de cartas escritas pelo mesmo.
“Não se julgarão criminosos os loucos de todo
gênero, que tiverem cometido crimes, mas serão recolhidos às casas para eles
destinadas, ou entregues às suas famílias...” – é o que determina o Código
Criminal.
Diz
o bom senso universal que “a loucura é
como a explosão do raio, fatal e ligeira como ela, fulmina sem remédio!”
A
ideia da morte do barão do Rio Verde gravou-se de tal modo em sua mente, que
foi inevitável a desgraça... Tanto é que jamais demonstrou o mínimo remorso!
Logo
após o crime, seguiu depois para a sua casa com passos graves e de fronte
levantada, como se acabasse de fazer um grande heroísmo, e lá esperou
impassível a escolta que foi prendê-lo.
_
“Não, não foi ilusão minha e nem loucura.
Deus realmente me apareceu, e me ordenou imperiosamente que matasse o barão do
Rio Verde” – declarou doutor Joaquim no Júri.
(...) Portanto, é absurdo supor que o Dr.
Joaquim Gomes de Souza simule monomania, porque essa simulação é muito difícil.
Aliás, é realmente monomaníaco aquele que finge monomaníaco. São mistérios, que
ninguém tem o direito, nem o interesse de penetrar. São fatos do espírito
humano![11]
***
A
seguir, o advogado exibiu uma carta escrita pelo próprio doutor Joaquim Gomes,
em 1862, intitulada “Um tremendo Castigo”,
como prova de que o mesmo era “somente um
monomaníaco religioso – e, nunca um malvado”.
Eis
alguns trechos da carta:
Há muito tempo, e quase
todos os dias, eu tenho ouvido e mesmo visto de um modo que eu não posso
explicar, figuras humanas de pessoas falecidas, que em vida conheci, dizerem-me
muito claro e distintamente, produzindo em mim uma convicção profunda, o que se
segue:
Que está iminente um
grande castigo, que eu avise aos seus; e isto pedem-me com a maior instancia.
Que a principal causa do castigo são a incredulidade, a impureza, ou os pecados
do sexto mandamento. Que Satanaz avança sobre o mundo com passos gigantescos, à
medida que a proteção de Nossa Senhora se retira.
(...) Tudo quanto hei
dito – quero dizer do mais íntimo do meu coração. Erguei então a cabeça, e de
joelhos principiai o terço preferindo o da paixão para rezar com a família.
Rogo a todos os jornais
do Brasil e de todas as nações que transcrevam para as suas colunas todo este
artigo, sem omissão alguma. Isto vos pede por amor de Jesus, por amor de Maria,
um cristão.[12]
***
E
assim finalizou a sua comovente defesa: “Deshumanos
não o accuseis, elle não tem crime!”
Por
meio desta sólida defesa, o advogado conseguiu demonstrar que o réu, doutor
Joaquim Gomes, de fato, achava-se acometido de transtorno mental quando do cometimento
do crime, e que, portanto, não era um assassino perverso. Por essa razão a
maioria dos jurados decidiu mandá-lo para um hospício, e não para uma cadeia.
O
médico doutor Joaquim Gomes de Souza Júnior acabou falecendo no dia dezoito de
março de 1885, no local onde cumpria a medida de segurança – o hospício
nacional de alienados da Corte, no Rio de Janeiro, criado por D. Pedro II em
1841, razão pela qual levou o seu nome por 40 anos (o primeiro hospício
brasileiro, denominado inicialmente Hospício de Pedro II).
| Jaime Lemos (foto de internet) |
Jaime
Gomes de Souza Lemos
Jaime Gomes de Sousa Lemos nasceu no
município de Rio Preto/MG, no dia cinco de setembro de 1858. Era um dos filhos
do doutor Joaquim Gomes de Sousa e de Adelaide Carolina de Lemos. Fez os
primeiros estudos em São Gonçalo do Sapucaí, completando-os no Rio de Janeiro, então
capital do Império. Não há registro de que tenha feito curso superior.
Em
1884 passou a residir na cidade de Passos/MG, onde fundou, em 1887, o semanário
Gazeta de Passos em parceria com Genaro César Costa. Nesse período exerceu
também o cargo de coletor geral e provincial no mesmo município.
Ingressou
na política como deputado estadual em Minas. Em 1912 foi eleito deputado federal
para a legislatura 1912-1914. Reeleito para as legislaturas seguintes,
permaneceu na Câmara dos Deputados até 1920.
Casou-se
em primeiras núpcias com Henriqueta Gomes de Carvalho, com quem teve um filho,
e contraiu um segundo matrimônio com Luísa Negrão. Deste casamento nasceram três
filhas. Uma delas, Sara Luísa Gomes de Sousa Lemos, casou-se com Juscelino Kubitschek,
que foi prefeito de Belo Horizonte de 1940 a 1945, constituinte de 1946, deputado
federal por Minas Gerais de 1946 a 1951, governador do estado de 1951 a 1955 e presidente
da república de 1956 a 1961.
Faleceu
em Belo Horizonte em 28 de fevereiro de 1922.[13]
| Sara Kubitschek (foto de internet) |
O
caso por Juscelino Kubitscheck
O
caso que ora narramos já foi objeto de vários estudos, e há até alguns livros
publicados que se referem ao crime, com destaque para O Barão do Rio Verde, de Roberto Macedo (Leo Editores). Interessante que até mesmo o venerado
presidente Juscelino Kubitscheck escreveu sobre o episódio. Isso porque ele se
casou com uma neta do doutor Joaquim, conforme mencionado acima.
Assim
registrou Juscelino Kubitschek em seu livro de memórias, para narrar a tragédia
familiar de sua esposa:
Sarah
era filha do Deputado Jaime Gomes de Souza Lemos que, por 30 anos, representou
Minas na Câmara Federal... O Barão do Rio Verde fora o bisavô de Sarah. João
Antônio de Lemos – eis o seu nome. Em 1822, José Bonifácio, preocupado em
converter a antiga colônia numa nação, ajudou o jovem João Antônio de Lemos a
organizar uma das primeiras indústrias montadas no Brasil.
Ingressando
na política, João Antônio de Lemos foi eleito deputado geral pela província de
Minas... veio como suplente na primeira eleição, realizada em 1829, e seu
companheiro de suplência não era outro senão Evaristo Veiga.
Mais
tarde, feito barão, retirou-se para o seu solar em São Gonçalo de Sapucaí, onde
viveu respeitado por todos, até o seu fim trágico, aos 75 anos de idade. Já na
velhice, ele casara sua sobrinha-neta Adelaide com o médico Joaquim Gomes de
Souza, parente do Barão do Rio Preto. Casamento excelente, já que o noivo, além
de pertencer a uma família ilustre, era um médico, que dispunha de grande conceito
como cirurgião.
Entretanto,
não tardou a acontecer o que menos se esperava. O marido passou a revelar
alarmantes sintomas de alienação mental. A enfermidade se manifestava,
sobretudo, através de um ciúme mórbido. Torturava a esposa. Proibia que saísse
de casa. E, para evitar que ela contrariasse as ordens, prendia-lhes as grossas
tranças no interior da gaveta de uma pesada cômoda.
O
barão, avisado do que se passava, mandou buscar sua sobrinha neta e esta, viúva
de um marido vivo, enclausurou-se no sobrado do tio-avô em São Gonçalo. O Dr.
Joaquim não se conformou com a separação e passou a rondar, numa atitude
suspeita, a residência do barão. Pouco depois, a tragédia.
Quando
o barão atravessava o Largo de São Gonçalo, o médico saiu-lhe ao rasto e, ao alcançá-lo,
mesmo em frente à Matriz, sacou de uma faca de amputação, que utilizava na sua
atividade de cirurgião, cravando-a em suas costas. Golpe de anatomista, mortal
e imprevisto. O barão vacilou e caiu, com um filete vermelho na boca. O marido
demente, curvando-se, enterrou mais oito vezes a faca no corpo já quase inerte.[14]
[1]
Arquivo particular da pesquisadora Ana Maria Silveira Tauil, descendente do doutor
Joaquim Gomes e também do barão do Rio Verde.
[2]
Feitos de membros da família Bustamante
de Souza Sá Fortes no Vale Mineiro-fluminense do Rio Preto, por doutor
Henrique Furtado Portugal, membro efetivo do Instituto Histórico e geográfico
de Minas Gerais.
[3] Idem.
[4]
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e província do Rio de
Janeiro para o Anno de 1860.
[5] Idem.
[6] Registro
Paroquial de Terras do município de Rio Preto (1855).
[7] Arquivo
Morto da comarca de Rio Preto/MG.
[8] Jornal
Correio Mercantil, do Rio de Janeiro, de 30 de janeiro de 1866, página 02.
[9] Idem.
[10] Idem.
[11] Idem.
[12] Jornal
do Commercio nº 35, de quatro de fevereiro de 1862.
[13] https://cpdoc.fgv.br
[14] JUSCELINO
KUBITSCHECK – MEU CAMINHO PARA BRASÍLIA, 1º VOLUME. Editora Bloch, 1974.
Parabéns pelo trabalho. Tenho ascendentes de São Gonçalo do Sapucaí e grande interesse na história local.
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