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sexta-feira, 11 de março de 2022

O ASSASSINATO DO BARÃO DO RIO VERDE: LOUCURA OU PERVERSIDADE?!

Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*

Barão do Rio Verde (foto de internet)


De acordo com a lei, a arguição de insanidade mental é a defesa na qual alega-se que, devido a questões relacionados à faculdade mental (doenças psiquiátricas ou deficiência mental), o réu não pode ser responsabilizado por suas ações.

O tema é bastante polêmico, porque envolvem paradoxos morais, questões de direito, de medicina legal e até mesmo de filosofia. Sendo assim, na maioria das vezes existem pontos de vista divergentes em relação à defesa de um insano. Enquanto alguns consideram a alegação de insanidade mental um argumento de defesa legítimo, uma vez que a atitude do insano é desprovida de dolo (intenção), outros encaram a alegação apenas como uma desculpa para escapar da cadeia.

A isenção do indivíduo considerado insano de punição criminal data desde o Código de Hammurabi. No Brasil, referências à alegação por insanidade mental são encontradas no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689), de três de outubro de 1941. Mas foi um trágico crime ocorrido aos trinta de dezembro de 1864, em São Gonçalo do Sapucaí/MG, que colocou essa temática em evidência no país, causando uma série de debates nos principais jornais da Corte, especialmente entre os respeitados juristas e médicos-legistas que participaram de três concorridas e agitadas sessões do Tribunal do Júri. 

É que o afamado barão do Rio Verde havia sido brutalmente assassinado naquela data, bem no Largo da Matriz de São Gonçalo do Sapucaí, por Joaquim Gomes de Souza Júnior, médico casado com sua sobrinha Adelaide Carolina de Lemos, um homem visivelmente perturbado e atormentado na época dos fatos.

E em meados do século XIX, certamente era ainda mais tênue a linha que separa o assassino do louco. Por essa razão foram necessários três julgamentos para se concluir que foi a ‘demência do insano’, e não a ‘perversão do criminoso’ que guiou as atitudes do médico doutor Joaquim Gomes.

Hoje narraremos esta trágica e intrigante história, que teve Rio Preto/MG como palco em determinado período, e ganhou grande repercussão em todo o país. Boa leitura!

 

Dr. Joaquim Gomes

Joaquim Gomes de Souza Júnior nasceu em Piraí/RJ, no dia dezessete de junho de 1817. Era filho do abastado fazendeiro Joaquim Gomes de Souza e de dona Maria Isabel de Souza Portugal, destacados cafeicultores da região, residentes na fazenda Barra Limpa, onde chegaram a possuir uma centena de escravos. Júnior foi cursar medicina no Rio de Janeiro, e tão logo se formou médico, retornou da Corte para Piraí, onde em fevereiro de 1846, o jovem doutor Joaquim Gomes se casou com Adelaide Carolina de Lemos.[1]

Conta-se que o matrimônio foi arranjado por barões, como era muito comum na época dos títulos nobiliárquicos. Teria sido resultado de um acordo celebrado entre o avô e tio dela, o barão do Rio Verde, e o parente pelo lado materno do jovem médico, o potentado barão do Rio Preto (futuro visconde), um dos principais cafeicultores do país, residente em Valença/RJ. Consta que ela tinha apenas 17 anos (ele, 28), e era uma jovem muito atraente, de beleza singular.

      O jovem casal foi residir em Campanha, povoação sede do município ao qual pertencia a freguesia de São Gonçalo de Sapucaí à época, onde o principal personagem do município era o barão do Rio Verde que, inclusive, foi padrinho do casamento. Ali nasceram os três primeiros filhos do casal, que em 1849 se mudou para Rio Preto, então um próspero município da zona da mata mineira.

 

Antiga Rua Direita
Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG.

Em Rio Preto

A essa altura doutor Joaquim Gomes já era um cirurgião afamado, e por esse motivo foi contratado pelo comendador Thereziano Fortes, o mais rico proprietário rural do município, morador do Solar dos Fortes, a casa sede da fazenda de Santa Clara – a famosa edificação de 365 janelas. Thereziano, entre outros investimentos, era exportador de café, e possuía mais de um milheiro de escravizados de origem africana espalhados pelas diversas fazendas que ele possuía no vale mineiro-fluminense do Rio Preto. Por essa razão, além de possuírem enfermarias em suas fazendas, Thereziano tinha contratos com profissionais médicos, alguns fazendo assistência preventiva até mensalmente.[2]

Além dos serviços prestados aos Fortes, doutor Joaquim Gomes possuía clínica na vila do Rio Preto, onde realizava atendimento e também cirurgias. Ali nasceram mais quatro dos filhos do casal, entre eles Jaime Gomes de Souza Lemos (1858), futuro pai de Sarah Kubistcheck.

Com o tempo, doutor Joaquim Gomes se tornou uma figura de destaque em Rio Preto. Além de médico formado, ele era parente pelo lado materno do barão de São José, outro potentado fazendeiro e político local.[3] Por essa razão, ele foi nomeado Agente Fiscal e até mesmo Delegado de Polícia da vila sede do município.[4] E com a venda das herdades em Piraí, ele acabou comprando uma propriedade rural no município, e em 1859 já aparecia entre os grandes cafeicultores de Rio Preto.[5] Esta fazenda se chamava São Germano[6] e se situava em região distante da vila, nas proximidades da Serra Negra da Mantiqueira.

 

Os primeiros sinais de loucura

Por esse motivo, causou estranheza aos munícipes o fato de o doutor Joaquim Gomes ter se mudado com a esposa e os muitos filhos, todos ainda pequenos, para local tão distante da urbe. Ainda mais que o mesmo possuía casa e clinica médica na vila, além dos cargos públicos de destaque que ocupava na comunidade.

Com o passar dos meses, com o doutor Joaquim Gomes cada vez mais ausente da vila, em 1861 ele acabou sendo destituído dos cargos de Agente Fiscal e de Delegado. A esta altura já era notório na vila as muitas ‘atitudes estranhas’ do doutor Joaquim Gomes, presenciadas por muitos munícipes, especialmente por seus amigos mais próximos, que passaram a colocar em dúvida a sua faculdade intelectual e a sanidade mental.

Se antes era figura de destaque na sociedade local, agora passou a ser visto como um doente perigoso, na medida em que demonstrava piora em quadro típico de doença mental. Pelos relatos da época, doutor Joaquim Gomes se tornou um homem em profunda agonia. Entre numerosos ‘episódios esquisitos’ passados em Rio Preto, que o colocaram na condição de um homem visivelmente perturbado e atormentado, perdido em um labirinto muito próprio, que no decorrer do tempo o conduzia para um nível ainda pior de alienação, isolamento e descolamento da realidade, citaremos apenas alguns.[7]

Consta que no final do ano de 1860, doutor Joaquim Gomes entregou uma carta a sua esposa Adelaide, “em que laconicamente lhe dizia o ultimo adeus, e saindo caminhou a pé e descalço a distância de duas léguas e meia (15 Km), pousando em casa de José de Souza e Silva (Sítio São Jorge), de onde só regressou no dia imediato devido ás instâncias de sua família”.

Alguns meses depois, doutor Joaquim Gomes apareceu no terreiro da fazenda do capitão Manoel Joaquim da Silva Pinto, “descalço e com as calças molhadas, e parando no meio do terreiro, ajoelhou-se, e curvando até pôr o rosto sobre a terra, assim permaneceu por um espaço de um quarto de hora mais ou menos”, até que o fazendeiro proprietário lhe pedisse que se levantasse, e tendo-o feito, pôs as mãos como para orar, pedindo ao fazendeiro “que rogasse a Deus por ele, visto como se considerava um miserável pecador”, e saiu em direção a Serra Negra.

Doutor Joaquim Gomes nos últimos meses procurou pelo padre João de Souza Godinho, e disse-lhe que “há seis meses, dirigiu-se à casa de seu pai em Piraí/RJ, e dizendo-lhe que havia estado com a sua mãe (falecida há 30 anos), e que esta lhe havia falado”. Relatou também ao padre da vila do Rio Preto “que padecia constantemente de dores de cabeça”, e que “por vezes lhe apareciam pessoas já falecidas”.

Por fim, chegou às autoridades constituídas da vila a notícia de que o doutor Joaquim Gomes “tem passado dias encerrado com a sua família trazendo portas e janelas fechadas com cadeados, com medo de ser assassinado, e que ele tem mais de cinco armas de fogo carregadas dentro de sua casa”.

 

Casa de Câmara e Cadeia onde doutor Joaquim ficou preso.
Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG.

A prisão

Desta forma, no dia quatorze de maio de 1862, o delegado de polícia da vila do Rio Preto, procurando salvaguardar a integridade física do doutor Joaquim Gomes, de sua esposa Adelaide e de seus filhos, determinou a prisão do médico: “Tendo chegado ao meu conhecimento que o Dr. Joaquim Gomes de Souza Júnior se acha bastantemente perturbado do juízo, a ponto de maltratar a sua mulher e filhos com pancadas, trazendo-os diariamente encarcerados em casa em um quarto e com armas de fogo, disparando-as de vez em quando, ora dentro da casa toda fechada, ora pelas janelas, e julgando do meu rigoroso dever prevenir qualquer desgraça, que pudesse acontecer, mandei prendê-lo”.

Recebido o Auto de Prisão do médico, o juiz do termo determinou a instauração do competente processo de Insanidade Intelectual contra o doutor Joaquim Gomes, ordenando que o mesmo fosse submetido a exame, que foi realizado por dois médicos locais, que apesar de reconhecerem confusão mental, concluíram que ele estava no “uso perfeito de suas faculdades intelectuais, e capaz de continuar no exercício e gozo da administração da sua pessoa e de bens”. Por essa razão, o juiz mandou soltá-lo.

Mas no dia seguinte, apareceu na vila do Rio Preto o pai de dona Adelaide, Francisco Antônio de Lemos, irmão do barão do Rio Verde, em companhia de um filho deste último, o médico doutor Maximiano Antônio de Lemos, que requereu a realização de um novo exame no doutor Joaquim Gomes, agora por médicos residentes em Valença. Desta feita, foi informado ao juiz que o mesmo “tem tido atos que demonstram o estado imperfeito de suas faculdades intelectuais”, e que “atribui esses atos a um inimigo oculto, que intenta assassiná-lo”.

 

Demente e incapaz

Assim sendo, no dia vinte de maio o juiz ordenou que buscassem dona Adelaide Carolina Lemos e os filhos do casal, e os colocou em casa de um cidadão idôneo da vila do Rio Preto – Antônio Florêncio Pinto de Noronha, conforme solicitado pelo seu primo doutor Maximiano Lemos.

Quatro dias depois, dona Adelaide prestou depoimento perante o juiz, e narrou muitos “factos violentos e desarrozoados praticados por seu marido”, e confirmou que “ela, seus filhos e seus escravos foram vítimas das mais atrozes violências” praticadas pelo doutor Joaquim Gomes. Por fim, relatou que “esses fatos aumentaram-se, e a perseguição foi mais intensa, depois da chegada em sua casa do pai dela, e sobre tudo depois da detenção que sofreu na casa da câmara ultimamente, começando aí mesmo (depois que recebeu ordem de soltura), por maltratá-la com palavras, socos, empurrões, etc.

Desta forma, no dia trinta de maio de 1862 o juiz de Rio Preto “julga o réu Dr. Joaquim Gomes de Souza Júnior demente e incapaz de administrar a sua pessoa e bens”, e nomeia um curador para ele, “a pessoa de Francisco Lopes de Barros”. Assim sendo, finalmente dona Adelaide (e os filhos) puderam se retirar em companhia de seu pai e do seu primo, e se mudaram para São Gonçalo do Sapucaí, onde passaram a residir com o barão do Rio Verde.

        

Antiga Matriz de São Gonçalo de Sapucaí/MG
portaldmoto.com.br

O barão do Rio Verde

João Antônio de Lemos foi um notório empresário, político e nobre brasileiro. Era chefe conservador do município de Campanha/MG e um dos primeiros povoadores de São Gonçalo do Sapucaí. Coube a sua família (Lemos) a criação e a emancipação do município de Passos/MG.

Destacou-se na política do Império, participando da Assembleia Constituinte de 1823. Ainda participou como suplente em legislaturas posteriores, e finalmente sendo deputado por Minas do ano de 1832 a 1835.

Foi o pioneiro na industrialização de chapéus no Brasil, tendo sua fábrica sido instalada no ano de 1825, na sua cidade natal, São Gonçalo do Sapucaí, com tecnologia importada de França. Para que tal tecnologia e métodos fossem trazidos da Europa ao Brasil, ele enviou seu filho Lúcio de Lemos à França, este ainda jovem, a fim de ali estudar a fabricação de chapéus. Foi a primeira fábrica de chapéus de Minas Gerais e uma das primeiras do Império.

Em virtude de seu destacado desempenho, especialmente sua notória contribuição pública em São Gonçalo do Sapucaí, João Antônio de Lemos sendo agraciado com o título de barão do Rio Verde, recebido em onze de outubro de 1848.

 

O assassinato

Em 1864 o barão do Rio Verde contava com 75 anos, vivia confortavelmente no seu suntuoso solar, situado defronte a praça da pequena povoação onde nascera. Em sua companhia viviam Adelaide e os filhos. Era trinta de dezembro, e o respeitado nobre e ilustre morador local, às 10 horas da manhã, iniciou a curta caminhada da sua casa à igreja Matriz, que ficava do lado oposto da praça.  

Quando já se encontrava no pátio da igreja do arraial de São Gonçalo, e em frente mesmo do Santo Cruzeiro ali erguido - como em toda a parte, como o símbolo da paz e do martírio – eis que surge o doutor Joaquim Gomes com um punhal em uma das mãos, e sem dizer sequer uma palavra, desfere nove golpes contra o barão!

E quando o povo todo aterrado corria em massa para o lugar infausto, o doutor Joaquim Gomes – arrancando o punhal ensanguentado da ultima ferida do cadáver do infeliz octogenário – dizia, tranquilo e sereno: “Está feita a justiça de Deus!”

 

Antiga sede do Hospício Pedro II, atual UFRJ
(Foto de internet).


O julgamento

No primeiro julgamento, aos dez de fevereiro de 1865, na cidade de Campanha, foram apresentados três pareceres médicos pela acusação, pela imputabilidade do réu. Mas não adiantou, e o doutor Joaquim Gomes acabou condenado à pena de morte. A abastada e influente família Lemos não economizou esforços – e nem dinheiro – para obter a condenação maior: a pena capital! Para tanto contratou os principais advogados do país, os Drs. Evaristo Ferreira da Veiga, Joaquim Leonel Rezende Alvim e João Baptista Pimentel Lustosa.[8]

O advogado do doutor Joaquim Gomes recorreu, e por meio de uma defesa mais consistente, apoiada principalmente por diversos colegas de profissão do acusado, no segundo júri obteve êxito em amenizar a pena, e o réu foi condenado à prisão perpétua.

A princípio fomos nós somente, que fizemos ouvir nossas vozes na tribuna da defesa; e hoje já temos do nosso lado uma seita numerosa, valente e inteligente,  

Este é um julgamento em que o raciocínio e a atenção quase se perdem inteiramente nos mistérios da fatalidade que pesa com toda a sua força sobre o homem, para aniquilar a razão e a liberdade, estes dotes mais preciosos do Criador á sua obra predileta!...

(...) para repelir desde já o epiteto infamante de assassino que se quer estampar perpetuamente na fronte desse desgraçado, o princípio que invocamos a favor do doutor Joaquim Gomes é a alienação mental, é a morte moral... Há poucos convenientes em condenar um alienado... porque o efeito moral exercido sobre o seu espírito pela condenação é nulo. Faltam-lhe as mais simples noções do justo e do injusto![9] – discursou o competente advogado.

Os advogados de acusação contratados pela família Lemos não concordaram em ver o réu livre da pena de morte, e recorreram: “Foi um mal sem dúvida irreparável, já não dizemos para o sul de Minas, porém para todo o Brasil, a morte do barão do Rio Verde, que antes de ter a nobreza do título, já tinha a nobreza e as virtudes da alma. Ele finge ser monomaníaco!”.[10]

E numa terceira sessão de júri, onde mais uma vez o doutor Joaquim Gomes fora acusado de monomaníaco pela acusação, e a defesa requerendo a sua absolvição por ser louco, ele acabou sendo internado em um hospício (D. Pedro II) na Corte, até o julgamento definitivo. 

Na oportunidade o eminente advogado apresentou ao público uma série de documentos, desde os primeiros sinais de loucura demonstrados pelo doutor Joaquim Gomes, ainda em Rio Preto, e principalmente os depoimentos prestados pelo médico, além de cartas escritas pelo mesmo.    

Não se julgarão criminosos os loucos de todo gênero, que tiverem cometido crimes, mas serão recolhidos às casas para eles destinadas, ou entregues às suas famílias...” – é o que determina o Código Criminal.

Diz o bom senso universal que “a loucura é como a explosão do raio, fatal e ligeira como ela, fulmina sem remédio!

A ideia da morte do barão do Rio Verde gravou-se de tal modo em sua mente, que foi inevitável a desgraça... Tanto é que jamais demonstrou o mínimo remorso!

Logo após o crime, seguiu depois para a sua casa com passos graves e de fronte levantada, como se acabasse de fazer um grande heroísmo, e lá esperou impassível a escolta que foi prendê-lo.

_ “Não, não foi ilusão minha e nem loucura. Deus realmente me apareceu, e me ordenou imperiosamente que matasse o barão do Rio Verde” – declarou doutor Joaquim no Júri.       

 (...) Portanto, é absurdo supor que o Dr. Joaquim Gomes de Souza simule monomania, porque essa simulação é muito difícil. Aliás, é realmente monomaníaco aquele que finge monomaníaco. São mistérios, que ninguém tem o direito, nem o interesse de penetrar. São fatos do espírito humano![11]  

***

A seguir, o advogado exibiu uma carta escrita pelo próprio doutor Joaquim Gomes, em 1862, intitulada “Um tremendo Castigo”, como prova de que o mesmo era “somente um monomaníaco religioso – e, nunca um malvado”.

Eis alguns trechos da carta:

Há muito tempo, e quase todos os dias, eu tenho ouvido e mesmo visto de um modo que eu não posso explicar, figuras humanas de pessoas falecidas, que em vida conheci, dizerem-me muito claro e distintamente, produzindo em mim uma convicção profunda, o que se segue:

Que está iminente um grande castigo, que eu avise aos seus; e isto pedem-me com a maior instancia. Que a principal causa do castigo são a incredulidade, a impureza, ou os pecados do sexto mandamento. Que Satanaz avança sobre o mundo com passos gigantescos, à medida que a proteção de Nossa Senhora se retira.

(...) Tudo quanto hei dito – quero dizer do mais íntimo do meu coração. Erguei então a cabeça, e de joelhos principiai o terço preferindo o da paixão para rezar com a família.

Rogo a todos os jornais do Brasil e de todas as nações que transcrevam para as suas colunas todo este artigo, sem omissão alguma. Isto vos pede por amor de Jesus, por amor de Maria, um cristão.[12]

***

E assim finalizou a sua comovente defesa: “Deshumanos não o accuseis, elle não tem crime!

            Por meio desta sólida defesa, o advogado conseguiu demonstrar que o réu, doutor Joaquim Gomes, de fato, achava-se acometido de transtorno mental quando do cometimento do crime, e que, portanto, não era um assassino perverso. Por essa razão a maioria dos jurados decidiu mandá-lo para um hospício, e não para uma cadeia.

O médico doutor Joaquim Gomes de Souza Júnior acabou falecendo no dia dezoito de março de 1885, no local onde cumpria a medida de segurança – o hospício nacional de alienados da Corte, no Rio de Janeiro, criado por D. Pedro II em 1841, razão pela qual levou o seu nome por 40 anos (o primeiro hospício brasileiro, denominado inicialmente Hospício de Pedro II).

 

Jaime Lemos (foto de internet)

Jaime Gomes de Souza Lemos

            Jaime Gomes de Sousa Lemos nasceu no município de Rio Preto/MG, no dia cinco de setembro de 1858. Era um dos filhos do doutor Joaquim Gomes de Sousa e de Adelaide Carolina de Lemos. Fez os primeiros estudos em São Gonçalo do Sapucaí, completando-os no Rio de Janeiro, então capital do Império. Não há registro de que tenha feito curso superior.

Em 1884 passou a residir na cidade de Passos/MG, onde fundou, em 1887, o semanário Gazeta de Passos em parceria com Genaro César Costa. Nesse período exerceu também o cargo de coletor geral e provincial no mesmo município.

Ingressou na política como deputado estadual em Minas. Em 1912 foi eleito deputado federal para a legislatura 1912-1914. Reeleito para as legislaturas seguintes, permaneceu na Câmara dos Deputados até 1920.

Casou-se em primeiras núpcias com Henriqueta Gomes de Carvalho, com quem teve um filho, e contraiu um segundo matrimônio com Luísa Negrão. Deste casamento nasceram três filhas. Uma delas, Sara Luísa Gomes de Sousa Lemos, casou-se com Juscelino Kubitschek, que foi prefeito de Belo Horizonte de 1940 a 1945, constituinte de 1946, deputado federal por Minas Gerais de 1946 a 1951, governador do estado de 1951 a 1955 e presidente da república de 1956 a 1961.

Faleceu em Belo Horizonte em 28 de fevereiro de 1922.[13]

 

Sara Kubitschek (foto de internet)

O caso por Juscelino Kubitscheck

O caso que ora narramos já foi objeto de vários estudos, e há até alguns livros publicados que se referem ao crime, com destaque para O Barão do Rio Verde, de Roberto Macedo (Leo Editores).  Interessante que até mesmo o venerado presidente Juscelino Kubitscheck escreveu sobre o episódio. Isso porque ele se casou com uma neta do doutor Joaquim, conforme mencionado acima.

Assim registrou Juscelino Kubitschek em seu livro de memórias, para narrar a tragédia familiar de sua esposa:

Sarah era filha do Deputado Jaime Gomes de Souza Lemos que, por 30 anos, representou Minas na Câmara Federal... O Barão do Rio Verde fora o bisavô de Sarah. João Antônio de Lemos – eis o seu nome. Em 1822, José Bonifácio, preocupado em converter a antiga colônia numa nação, ajudou o jovem João Antônio de Lemos a organizar uma das primeiras indústrias montadas no Brasil.

Ingressando na política, João Antônio de Lemos foi eleito deputado geral pela província de Minas... veio como suplente na primeira eleição, realizada em 1829, e seu companheiro de suplência não era outro senão Evaristo Veiga.

Mais tarde, feito barão, retirou-se para o seu solar em São Gonçalo de Sapucaí, onde viveu respeitado por todos, até o seu fim trágico, aos 75 anos de idade. Já na velhice, ele casara sua sobrinha-neta Adelaide com o médico Joaquim Gomes de Souza, parente do Barão do Rio Preto. Casamento excelente, já que o noivo, além de pertencer a uma família ilustre, era um médico, que dispunha de grande conceito como cirurgião.

Entretanto, não tardou a acontecer o que menos se esperava. O marido passou a revelar alarmantes sintomas de alienação mental. A enfermidade se manifestava, sobretudo, através de um ciúme mórbido. Torturava a esposa. Proibia que saísse de casa. E, para evitar que ela contrariasse as ordens, prendia-lhes as grossas tranças no interior da gaveta de uma pesada cômoda.

O barão, avisado do que se passava, mandou buscar sua sobrinha neta e esta, viúva de um marido vivo, enclausurou-se no sobrado do tio-avô em São Gonçalo. O Dr. Joaquim não se conformou com a separação e passou a rondar, numa atitude suspeita, a residência do barão. Pouco depois, a tragédia.

Quando o barão atravessava o Largo de São Gonçalo, o médico saiu-lhe ao rasto e, ao alcançá-lo, mesmo em frente à Matriz, sacou de uma faca de amputação, que utilizava na sua atividade de cirurgião, cravando-a em suas costas. Golpe de anatomista, mortal e imprevisto. O barão vacilou e caiu, com um filete vermelho na boca. O marido demente, curvando-se, enterrou mais oito vezes a faca no corpo já quase inerte.[14]

*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano! 

[1] Arquivo particular da pesquisadora Ana Maria Silveira Tauil, descendente do doutor Joaquim Gomes e também do barão do Rio Verde.

[2] Feitos de membros da família Bustamante de Souza Sá Fortes no Vale Mineiro-fluminense do Rio Preto, por doutor Henrique Furtado Portugal, membro efetivo do Instituto Histórico e geográfico de Minas Gerais.

[3] Idem.

[4] Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e província do Rio de Janeiro para o Anno de 1860.

[5] Idem.

[6] Registro Paroquial de Terras do município de Rio Preto (1855).

[7] Arquivo Morto da comarca de Rio Preto/MG.

[8] Jornal Correio Mercantil, do Rio de Janeiro, de 30 de janeiro de 1866, página 02.

[9] Idem.

[10] Idem.

[11] Idem.

[12] Jornal do Commercio nº 35, de quatro de fevereiro de 1862.

[13] https://cpdoc.fgv.br

[14] JUSCELINO KUBITSCHECK – MEU CAMINHO PARA BRASÍLIA, 1º VOLUME. Editora Bloch, 1974.

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