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terça-feira, 13 de julho de 2021

NOSSO SENHOR DOS PASSOS: O PADROEIRO DE RIO PRETO

Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*

 

Imagem de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto (Página Facebook da Paróquia).

Já há alguns anos o município de Rio Preto instituiu por lei (nº 1.349/2012) que, todo dia 14 de julho, é celebrado o dia do padroeiro da cidade - Senhor Bom Jesus dos Passos, feriado municipal. 

Como não existe uma data específica para celebrar o ‘Dia do Senhor dos Passos’, cada município que o tem por padroeiro elege uma data para fazê-lo. E como a referida lei municipal é silente sobre a razão pela qual se escolheu esta data em Rio Preto (dia 14 de julho), poucos moradores conhecem os motivos que a fundamentam. 

Assim, segue abaixo um breve histórico sobre o nosso padroeiro, demonstrando que esse feriado municipal faz referência, na verdade, à data em que o então Curato do Rio Preto foi elevado à Paróquia de Nosso Senhor dos Passos, no dia 14 de julho de 1832. Portanto, no dia escolhido para celebrar o padroeiro da cidade, na verdade, é a Paróquia de Rio Preto que “faz aniversário”, completando hoje 189 anos de existência!


Senhor dos Passos – a origem

Nosso Senhor dos Passos, ou Senhor Bom Jesus dos Passos, é uma invocação de Jesus Cristo e uma devoção especial na Igreja Católica a ele dirigida, que faz memória ao trajeto percorrido por Jesus Cristo desde sua condenação à morte no pretório até o seu sepultamento, após ter sido crucificado no Calvário.

No século XVI, fixaram-se 14 momentos principais desse trajeto. Esses pontos principais são chamados de as estações ou os passos da Paixão de Cristo ao longo da Via Sacra ou Via Crucis. Tal invocação se tornou muito popular em alguns países como Portugal e Brasil, dando origem a rica iconografia, onde existem inúmeras igrejas fundadas sob sua proteção, e na Quaresma são realizadas procissões especiais chamadas de Procissão dos Passos ou Procissão do Encontro, tal como é tradição em Rio Preto até os tempos atuais.

Não se sabe a data exata em que a primeira imagem do Senhor dos Passos chegou à capela do Morro dos Beatos (atual Morro dos Pintos), mas provavelmente foi trazida pelos primeiros colonizadores oriundos das cidades mineiras da região mineradora do rio das Mortes, onde o Senhor dos Passos já era devotado e possuía Irmandade desde o início dos setecentos, sendo que Rio Preto era um território integrante da comarca de Rio das Mortes.

Oficialmente, a data de fundação da Irmandade do Bom Jesus dos Passos, em Tiradentes, é dois de outubro de 1721. No entanto, contam que a imagem já existia antes dessa data, e possivelmente a procissão. Por meio de uma petição para a criação da irmandade, o rico minerador João de Oliveira, que achou no início dos setecentos uma grande “mancha” de ouro no lugar conhecido como Cuiabá, nas barrancas do Rio das Mortes, manda à cúria do Rio de Janeiro dizendo que quer erigir e criar uma Irmandade do Senhor dos Passos pela muita devoção que tem à imagem deste Senhor por haverem mandado buscar, e por ficar mais conveniente quanto a este seu intento, há uma capela de Nossa Senhora do Bom Despacho naquele distrito e nela querem erigir e criar a dita Irmandade do Nosso Senhor dos Passos.

Foi, portanto, da irmandade criada na Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho do Córrego, certamente erigida nos primeiros anos do século XVIII, num platô sobre a serra de São José, na estrada velha entre Tiradentes e São João Del-Rei, que possivelmente tenha vindo a primeira imagem do Senhor dos Passos para Rio Preto.

Imagem de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto (Página Facebook da Paróquia).

O padroeiro é anterior à paróquia

A primeira capela da cidade de Rio Preto foi erigida estrategicamente em terreno elevado, situado na antiga rota bandeirante (e depois, rota do contrabando do ouro), porque funcionava também como uma espécie de marcação a fim de guiar esses primeiros viajantes que no início dos anos setecentos adentravam na “Passagem do Rio Preto” rumo ao Norte (Goiás).

Nesse local foi construída essa pioneira capela do Arraial, quiçá de toda a região do Sertão do Rio Preto. É certo que já existia, em 1728, uma vez que nesse ano um homem branco foi enterrado no seu adro, como era de costume naquela época, sendo que não existiam locais destinados especificamente para servir de cemitério. Quando não se enterrava o ente querido na própria propriedade rural, fazia-se o seu sepultamento dentro ou no entorno da igreja mais próxima.

É preciso esclarecer, no entanto, que o Senhor dos Passos já era oficialmente padroeiro de Rio Preto muito antes de 1832. Há diversos documentos nesse sentido. O mais antigo de todos, data de 14 de agosto de 1791, quando Barbacena foi elevada a Vila, e uma de suas capelas filiadas era justamente a da “Aplicação de Nosso Senhor dos Passos do Rio Preto”. Portanto, penso que o mais correto seria instituir o feriado no dia 14 de agosto, sendo que a lei que o criou tinha por objetivo celebrar o padroeiro (Senhor dos Passos), e não a Paróquia.

Citamos, ainda, outras duas fontes primárias, também documentos fidedignos, a fim de comprovar que o Senhor dos Passos já era padroeiro da localidade, muito antes da criação da Paróquia (em 1832). Em 26 de janeiro de 1807, José Furtado de Figueiredo, o primeiro filho do Alferes e Escrivão do Registro João Furtado de Figueiredo, foi batizado na “Ermida do Senhor dos Passos - Rio Preto - MG – Brasil”. E, em 30 de novembro de 1811, Ana Vitória do Nascimento, filha do tenente-coronel Joaquim Gomes de Oliveira Lima e de Maria Eugênia da Costa, também foi “batizada na Ermida do Senhor dos Passos do Rio Preto, filial da matriz de Barbacena”.


Doutor Antônio Joaquim Fortes – o fundador

Apesar de toda a antiguidade da primeira capela erigida no Morro dos Beatos (atual cemitério Senhor dos Passos, no Morro dos Pintos) que, em 1791, já tinha por padroeiro o Senhor dos Passos, e do fato de já possuir um pároco designado para o então Arraial do Senhor do Bom Jesus do Rio Preto desde 1821, somente em julho de 1832 o Curato de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto do Presídio foi elevado a Paróquia. E, segundo a tradição oral, o responsável direto por essa conquista foi um dos filhos do Guarda-Mor Francisco Dionísio Fortes, morador da Fazenda de Santa Clara.

Consta que, assim que retornou doutor de Portugal, Antônio Joaquim Fortes de Bustamante, em 1828, foi nomeado o 29º Ouvidor e Procurador-Geral da importante e rica comarca de Rio das Mortes e, em seguida, Provedor da Fazenda na mesma comarca, da qual Rio Preto fazia parte e cuja sede era São João Del Rei, onde o mesmo passou a residir. Em 1830, ele fundou a imponente Fazenda São Paulo, em território do município de Valença/RJ (Cardoso), onde sempre se fazia presente.

A ele competia, por exemplo, conceder autorização para a construção de capelas nas diversas localidades existentes no extenso território da importante comarca do Rio das Mortes, desde 1828 até 1832, e outras questões afetas à Igreja Católica. Partiu dele a permissão para se distribuírem terrenos aos primeiros moradores que fundaram os arraiais de Santa Rita de Jacutinga e Santa Bárbara do Monte Verde, duas freguesias de Rio Preto. Consta que ele foi o principal responsável pela elevação de Rio Preto à paróquia, razão pela qual o doutor Antônio Joaquim Fortes passou a gozar de enorme prestígio junto aos moradores da região do Vale do Rio Preto.  

Desta forma, Rio Preto foi então promovido na hierarquia “religiosa-político-administrativa”, sendo elevado administrativamente a distrito de Barbacena, deixando de ser dependente (religioso) da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca, para se tornar uma Freguesia autônoma.

Contando com certa estrutura religiosa na época, sendo que Rio Preto em 1832 já abrigava uma Capela (Senhor dos Passos), uma Igreja (do Rosário, onde em sua capela-mor desde 1812 já se celebravam missas) e uma nova Matriz com construção já aprovada, o distrito já surgiu com três importantes povoações pertencendo a sua paróquia: São Domingos da Bocaina (distrito de Lima Duarte/MG), Bom Jardim de Minas/MG e Pirapitinga (povoado de Santa Bárbara do Monte Verde/MG).

*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano


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