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sexta-feira, 30 de julho de 2021

FORTUNATO JOSÉ: UM ESCRAVO ALGOZ NO BRASIL IMPÉRIO

Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*



A história às vezes é triste, mas é a nossa história. Corria algum dia de 1884 quando o homem de 73 anos que estava atrás das grades na cadeia de Ouro Preto, onde hoje funciona o Museu da Inconfidência, fechou os olhos para sempre. Seu último suspiro levou consigo as lembranças das 87 vidas que ele executou, a mando de autoridades do Brasil Império (1822-1889), em forcas espalhadas por 29 cidades de Minas Gerais e em duas do Rio de Janeiro. Essa foi a saga do negro Fortunato José, o escravo que virou um dos principais carrascos do país.[1]

A Pena Capital

A pena de morte por aqui funcionou desde o Brasil colonial até o fim do império. Também conhecida como pena capital, ela era uma forma de “punição” utilizada com previsão legal desde a Constituição brasileira de 1824. Durante o Brasil Império foram muitas sentenças judiciais condenatórias à morte, mas o enforcamento em praça pública, de fato, por ser medida extrema, aconteceu apenas em algumas vilas e cidades brasileiras.

A materialização da pena capital era monstruosamente consumada através do sistema de forca. Normalmente recorria-se a um carpinteiro local, entendido do ofício, que selecionando a melhor madeira, erigia o terrível patíbulo. O preparo da corda ficava por conta do executor.

Antes do enforcamento, porém, era costume percorrer-se com o criminoso em uma espécie de tumba ou caixão pela localidade até o cadafalso, para demonstrar a ação do Estado em reprimir o crime de que era acusado e também para produzir o medo junto aos moradores locais.

Apesar de parte da população, horrorizada, se opor à execução por modos indiretos, conforme alguns relatos existentes, o mais comum era uma multidão se dirigir ao local do enforcamento, como se fosse presenciar um espetáculo. Por esse motivo, sempre havia um padre ao lado do cadafalso, inclusive, não apenas para encomendar a vítima, mas também para pronunciar discursos calorosos, que empolgavam os espectadores.

Assim funcionou até o fim do Império do Brasil, período em que os réus ainda eram condenados à morte, apesar do fato de o imperador Dom Pedro II haver comutado todas as sentenças de morte a partir de 1876, tanto para homens livres quanto para escravos. No entanto, a pena de morte só foi totalmente abolida por crimes comuns após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889.

A última execução realizada pelo Brasil foi do escravo Francisco, em Pilar, em Alagoas, em 28 de abril de 1876; a última execução de um homem livre foi, segundo os registros oficiais, de José Pereira de Sousa, em Santa Luzia (atual Luziânia), em Goiás, enforcado em 30 de outubro de 1861; por fim, a última execução de uma mulher, até onde pode ser estabelecida, foram das escravas Peregrina e Rosa em Sabará, Minas Gerais, executadas em 14 de abril de 1858. O carrasco era o escravo Fortunato José.


O Carrasco Fortunato

Fortunato nasceu num lugarejo que hoje é a cidade de Lavras, no Sul do estado de Minas Gerais. Aos 22 anos, viciado em bebida e jogatina, foi advertido por dona Custódia, a viúva do fazendeiro João de Paiva, dono da propriedade onde o então jovem veio ao mundo. Irritado com a repreensão, tirou a vida da senhora com uma porretada na cabeça. O crime ganhou repercussão e o rapaz foi condenado à morte. Sua vida seria ceifada na forca.

Por ironia, o algoz que deveria cumprir a ordem havia morrido. E as autoridades fizeram uma proposta a Fortunato: sua pena seria comutada para a de prisão perpétua em troca de ele virar “o dono” da forca. E foi assim que o então jovem, ávido por álcool, começou a percorrer o estado para ceifar a vida dos condenados.

O carrasco tinha a expectativa de um dia receber o perdão do governo e se tornar um homem livre. Sua primeira execução ocorreu no Natal de 1833. Tirou a vida de um escravo. Na mesma data, enforcou o segundo. Na lista de mortos, há negros e brancos, homens e mulheres.[2]

Era um homem jovial, o verdadeiro tipo desses bons tropeiros dos sertões de Minas que, à noite, nos pousos, divertem os camaradas rasgando uma chorada chula na viola, enquanto, ao longe, pasta a boiada. Quem não conhecesse a terrível história daquele homem, ao vê-lo risonho, de bentinhos e patuás ao peito, sempre a falar em Deus e Nossa Senhora, estaria longe de julgar que era ele o célebre carrasco, terror da província de Minas Gerais.

O crime não deixara naquele rosto as estrias do remorso. O sangue que ele derramava, por conta da justiça, não lhe produzia no espírito impressão alguma. Fizera-se carrasco como quem se faz sapateiro. Enforcar um homem era, para ele, como se deitasse umas tombas* (*remendasse sapatos). Chamava-se Fortunato e foi o último carrasco que tivemos. Usava de uma frase especial para dizer que havia justiçado um criminoso: ‘- Mandei-o embora’.

A vida, para ele, era coisa de somenos. E, se o quisessem ver alegre, era dizer que preparasse para ir enforcar um réu. Nas vésperas da execução, mostrava-se Fortunato de uma expansibilidade extraordinária. Ria, falava consigo mesmo, gesticulava e punha-se até a cantarolar. Para o criminoso, a quem tinha de mandar embora, era ele de uma ternura quase paternal. Tinha, então, extremos de delicadeza e, falando-lhe, uma doçura verdadeiramente feminil na voz.

No momento, porém, em que deitava a corda ao pescoço do miserável, dilatavam-se-lhe os olhos e brincava-lhe no rosto uma alegria feroz. Os gestos eram então sacudidos e nervosos. Rápido como um relâmpago, cumpria o seu degradante e infame dever, recuperando, logo depois, a calma e a tranquilidade de um justo.

Dormia aquele homem como pode dormir quem nunca teve um mau pensamento, nem praticou uma ação indigna. Tinha amor ao ofício e exercia-o com prazer. Era um tipo digno de estudo, o carrasco Fortunato; e, graças à obsequiosidade de pessoa que o conheceu, podemos hoje oferecer aos leitores alguns dados sobre a vida desse sinistro personagem, que figurou em tantas tragédias judiciárias.” -  escreveu o renomado jornalista José Ferreira de Araújo para a “Gazeta de Notícias”, um jornal do Rio de Janeiro, em 02.11.1889, seis anos depois do falecimento de Fortunato.

Paredão Davi Campista (Pintura de Wesley Monteiro)

No Vale do Café

Nos registros das viagens autorizados a esse temível executor para realizar o seu “serviço”, constam dois enforcamentos praticados por ele na cidade de Rio Preto, sita na zona da mata mineira, bem na divisa com o Estado do Rio de Janeiro. “A seis de maio de 1853, seguiu para Rio Preto, a fim de executar os réus Marcelino Crioulo e Antônio Malvadão, assassinos de seu senhor, Luiz José de Paula...”.[3]

Esses enforcamentos provavelmente aconteceram em frente à Casa de Câmara e Cadeia daquele período, que funcionava em um imóvel existente na extremidade do Paredão Davi Campista (ao lado da Ladeira Dr. Afonso Portugal), local onde se fincara o Pelourinho em 1844, defronte à Praça Barão de Santa Clara e nas proximidades da igreja Matriz, bem no centro da pacata cidade.

Essa informação aparece também no livro "Efemérides Mineiras", que confirma a pena capital praticada em Rio Preto e ratifica que foi consumada pelo escravo Fortunato José. 

No Rio de Janeiro

De tanto usar a corda, Fortunato foi aprimorando suas habilidades e tornou-se o maior perito da província na arte de enforcar. Consta que este carrasco teria executado enforcamentos até mesmo na então província do Rio de Janeiro. Um deles teria acontecido em Barra Mansa, por volta de 1840, e que o condenado era uma pessoa escravizada. A forca teria sido erigida no local onde funcionou uma grande fábrica da cidade (Nestlé).[4]

Em janeiro de 1873, na província do Rio de Janeiro, ocorreram dois bárbaros assassinatos, um logo após o outro. O primeiro, no dia 8, nas cercanias da vila de Campos dos Goitacazes, do fazendeiro José Joaquim de Almeida Pinto. O segundo, no dia 9, de outro fazendeiro, José Antônio Barroso de Siqueira, na fazenda Poço d’Anta, da freguesia de Santo Antônio de Guarulhos. Ambos lugares situavam-se onde é atual cidade de Campos.

O justiçamento de criminosos desse nível estava a demandar um profissional à altura e, assim, convocaram o famoso Fortunato para realizar o serviço. Porém, quando o carrasco já estava deslocando-se para o Rio de Janeiro, o deputado Baptista Pinto deparou-se com ele e sua guarda no caminho. O político, prevendo as barbaridades que estavam por acontecer, não se conteve e, imediatamente, manifestou-se na reunião da assembleia provincial em Ouro Preto, para a qual havia sido convocado. Lá, fez o seguinte pronunciamento: Se a província do Rio de Janeiro tinha criminosos a executar, lá mesmo é que devia-se procurar um algoz. Ir de Minas o algoz para fazer essas execuções parece ser um indício de que somos um povo tão mau que até temos carrasco para fornecer a outras províncias.”[5]

A intervenção do deputado não surtiu efeito e os enforcamentos se consumaram. Sete foram executados, em outubro de 1873: o escravos Henrique, José e Benedito, pela morte do fazendeiro Almeida Pinto; e os escravos Antônio, Agostinho, Ciro e Amaro, pela morte do fazendeiro Barroso Siqueira. E a notícia dessa empreitada saiu num jornal da época, acrescentado detalhes da sua ida ao Rio de Janeiro: “Trazia a camisa aberta no peito, quando passou pela estação de Paraíbuna*, deixando ver rosário de contas e bentinhos. Nas estações conversava com alguns curiosos e desabusados. ‘Ia a Campos mandar embora (era o seu termo favorito para exprimir que ia enforcar) a alguns parceiros!’ Ia acorrentado.[6]

Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto.

Morte do Algoz

E de tanto chamarem-no de algoz, a palavra foi incorporada como um adendo à sua pessoa. Desta forma, Fortunato José se tornou o mais famoso e temido executor da época no país, e passou a ser conhecido pela alcunha de "Fortunato Algoz".

Em 1866, quando contava seus 55 anos de idade, dirigira um pedido ao presidente da província que, ao fazer seu despacho, o identificou com seu novo sobrenome: “Dia 27 – Fortunato Algoz, indeferido.[7]

Além dessa fama indesejada, habituara-se às dores do mundo, e também com as suas próprias. Até mesmo as que lhe provocavam o reumatismo, que o atacara na velhice, embora fossem terríveis na gelada e úmida cadeia de Ouro Preto.

A última execução do carrasco ocorreu em 1874. No total, ele foi o executor de 87 mortes por enforcamento em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, entre 1833 e 1874. Mesmo assim, Fortunato não obteve o sonhado perdão pela morte de dona Custódia. Passou os últimos dez anos de sua vida na cela do imponente prédio da cadeia de Ouro Preto, onde o algoz foi registrado, já enfraquecido, numa cama na sua cela.

A fama de Fortunato – embora triste – foi tamanha, que ele foi fotografado numa época em que poucas personalidades tiveram a imagem registrada por uma câmera. E assim, encarcerado e desprovido de sua real identidade civil, continuou até o fim dos seus dias, falecendo em 1884.

Foto de Fortunato José (Arquivo Público Mineiro)


[1] Estado de Minas Gerais, Seção Nossa História, postado em 26/09/2015.

[2] Idem.

[3] NASCIDO PARA MATAR. Sumidouro’s Blog, postado em 01/07/2014.

[4] Livro Memória Barramansense.

[5] NASCIDO PARA MATAR. Sumidouro’s Blog, postado em 01/07/2014.

[6] FORTUNATO ALGOZ, Sumidoiro’s Blogs, postado em 01/05/2016.

[7] “Diario de Minas”, 28.06.1866. 

Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano.


terça-feira, 13 de julho de 2021

NOSSO SENHOR DOS PASSOS: O PADROEIRO DE RIO PRETO

Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*

 

Imagem de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto (Página Facebook da Paróquia).

Já há alguns anos o município de Rio Preto instituiu por lei (nº 1.349/2012) que, todo dia 14 de julho, é celebrado o dia do padroeiro da cidade - Senhor Bom Jesus dos Passos, feriado municipal. 

Como não existe uma data específica para celebrar o ‘Dia do Senhor dos Passos’, cada município que o tem por padroeiro elege uma data para fazê-lo. E como a referida lei municipal é silente sobre a razão pela qual se escolheu esta data em Rio Preto (dia 14 de julho), poucos moradores conhecem os motivos que a fundamentam. 

Assim, segue abaixo um breve histórico sobre o nosso padroeiro, demonstrando que esse feriado municipal faz referência, na verdade, à data em que o então Curato do Rio Preto foi elevado à Paróquia de Nosso Senhor dos Passos, no dia 14 de julho de 1832. Portanto, no dia escolhido para celebrar o padroeiro da cidade, na verdade, é a Paróquia de Rio Preto que “faz aniversário”, completando hoje 189 anos de existência!


Senhor dos Passos – a origem

Nosso Senhor dos Passos, ou Senhor Bom Jesus dos Passos, é uma invocação de Jesus Cristo e uma devoção especial na Igreja Católica a ele dirigida, que faz memória ao trajeto percorrido por Jesus Cristo desde sua condenação à morte no pretório até o seu sepultamento, após ter sido crucificado no Calvário.

No século XVI, fixaram-se 14 momentos principais desse trajeto. Esses pontos principais são chamados de as estações ou os passos da Paixão de Cristo ao longo da Via Sacra ou Via Crucis. Tal invocação se tornou muito popular em alguns países como Portugal e Brasil, dando origem a rica iconografia, onde existem inúmeras igrejas fundadas sob sua proteção, e na Quaresma são realizadas procissões especiais chamadas de Procissão dos Passos ou Procissão do Encontro, tal como é tradição em Rio Preto até os tempos atuais.

Não se sabe a data exata em que a primeira imagem do Senhor dos Passos chegou à capela do Morro dos Beatos (atual Morro dos Pintos), mas provavelmente foi trazida pelos primeiros colonizadores oriundos das cidades mineiras da região mineradora do rio das Mortes, onde o Senhor dos Passos já era devotado e possuía Irmandade desde o início dos setecentos, sendo que Rio Preto era um território integrante da comarca de Rio das Mortes.

Oficialmente, a data de fundação da Irmandade do Bom Jesus dos Passos, em Tiradentes, é dois de outubro de 1721. No entanto, contam que a imagem já existia antes dessa data, e possivelmente a procissão. Por meio de uma petição para a criação da irmandade, o rico minerador João de Oliveira, que achou no início dos setecentos uma grande “mancha” de ouro no lugar conhecido como Cuiabá, nas barrancas do Rio das Mortes, manda à cúria do Rio de Janeiro dizendo que quer erigir e criar uma Irmandade do Senhor dos Passos pela muita devoção que tem à imagem deste Senhor por haverem mandado buscar, e por ficar mais conveniente quanto a este seu intento, há uma capela de Nossa Senhora do Bom Despacho naquele distrito e nela querem erigir e criar a dita Irmandade do Nosso Senhor dos Passos.

Foi, portanto, da irmandade criada na Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho do Córrego, certamente erigida nos primeiros anos do século XVIII, num platô sobre a serra de São José, na estrada velha entre Tiradentes e São João Del-Rei, que possivelmente tenha vindo a primeira imagem do Senhor dos Passos para Rio Preto.

Imagem de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto (Página Facebook da Paróquia).

O padroeiro é anterior à paróquia

A primeira capela da cidade de Rio Preto foi erigida estrategicamente em terreno elevado, situado na antiga rota bandeirante (e depois, rota do contrabando do ouro), porque funcionava também como uma espécie de marcação a fim de guiar esses primeiros viajantes que no início dos anos setecentos adentravam na “Passagem do Rio Preto” rumo ao Norte (Goiás).

Nesse local foi construída essa pioneira capela do Arraial, quiçá de toda a região do Sertão do Rio Preto. É certo que já existia, em 1728, uma vez que nesse ano um homem branco foi enterrado no seu adro, como era de costume naquela época, sendo que não existiam locais destinados especificamente para servir de cemitério. Quando não se enterrava o ente querido na própria propriedade rural, fazia-se o seu sepultamento dentro ou no entorno da igreja mais próxima.

É preciso esclarecer, no entanto, que o Senhor dos Passos já era oficialmente padroeiro de Rio Preto muito antes de 1832. Há diversos documentos nesse sentido. O mais antigo de todos, data de 14 de agosto de 1791, quando Barbacena foi elevada a Vila, e uma de suas capelas filiadas era justamente a da “Aplicação de Nosso Senhor dos Passos do Rio Preto”. Portanto, penso que o mais correto seria instituir o feriado no dia 14 de agosto, sendo que a lei que o criou tinha por objetivo celebrar o padroeiro (Senhor dos Passos), e não a Paróquia.

Citamos, ainda, outras duas fontes primárias, também documentos fidedignos, a fim de comprovar que o Senhor dos Passos já era padroeiro da localidade, muito antes da criação da Paróquia (em 1832). Em 26 de janeiro de 1807, José Furtado de Figueiredo, o primeiro filho do Alferes e Escrivão do Registro João Furtado de Figueiredo, foi batizado na “Ermida do Senhor dos Passos - Rio Preto - MG – Brasil”. E, em 30 de novembro de 1811, Ana Vitória do Nascimento, filha do tenente-coronel Joaquim Gomes de Oliveira Lima e de Maria Eugênia da Costa, também foi “batizada na Ermida do Senhor dos Passos do Rio Preto, filial da matriz de Barbacena”.


Doutor Antônio Joaquim Fortes – o fundador

Apesar de toda a antiguidade da primeira capela erigida no Morro dos Beatos (atual cemitério Senhor dos Passos, no Morro dos Pintos) que, em 1791, já tinha por padroeiro o Senhor dos Passos, e do fato de já possuir um pároco designado para o então Arraial do Senhor do Bom Jesus do Rio Preto desde 1821, somente em julho de 1832 o Curato de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto do Presídio foi elevado a Paróquia. E, segundo a tradição oral, o responsável direto por essa conquista foi um dos filhos do Guarda-Mor Francisco Dionísio Fortes, morador da Fazenda de Santa Clara.

Consta que, assim que retornou doutor de Portugal, Antônio Joaquim Fortes de Bustamante, em 1828, foi nomeado o 29º Ouvidor e Procurador-Geral da importante e rica comarca de Rio das Mortes e, em seguida, Provedor da Fazenda na mesma comarca, da qual Rio Preto fazia parte e cuja sede era São João Del Rei, onde o mesmo passou a residir. Em 1830, ele fundou a imponente Fazenda São Paulo, em território do município de Valença/RJ (Cardoso), onde sempre se fazia presente.

A ele competia, por exemplo, conceder autorização para a construção de capelas nas diversas localidades existentes no extenso território da importante comarca do Rio das Mortes, desde 1828 até 1832, e outras questões afetas à Igreja Católica. Partiu dele a permissão para se distribuírem terrenos aos primeiros moradores que fundaram os arraiais de Santa Rita de Jacutinga e Santa Bárbara do Monte Verde, duas freguesias de Rio Preto. Consta que ele foi o principal responsável pela elevação de Rio Preto à paróquia, razão pela qual o doutor Antônio Joaquim Fortes passou a gozar de enorme prestígio junto aos moradores da região do Vale do Rio Preto.  

Desta forma, Rio Preto foi então promovido na hierarquia “religiosa-político-administrativa”, sendo elevado administrativamente a distrito de Barbacena, deixando de ser dependente (religioso) da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca, para se tornar uma Freguesia autônoma.

Contando com certa estrutura religiosa na época, sendo que Rio Preto em 1832 já abrigava uma Capela (Senhor dos Passos), uma Igreja (do Rosário, onde em sua capela-mor desde 1812 já se celebravam missas) e uma nova Matriz com construção já aprovada, o distrito já surgiu com três importantes povoações pertencendo a sua paróquia: São Domingos da Bocaina (distrito de Lima Duarte/MG), Bom Jardim de Minas/MG e Pirapitinga (povoado de Santa Bárbara do Monte Verde/MG).

*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano


sexta-feira, 2 de julho de 2021

BANDA LIMA SANTOS: A CENTENÁRIA CORPORAÇÃO MUSICAL DE RIO PRETO

Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*

 

Corporação Musical Lima Santos, 28/03/1908.


Certamente entre os momentos mais felizes vivenciados pela população do município de Rio Preto ao longo dos últimos 120 (cento e vinte) anos, está a programação que consiste em ouvir a música tocada pela Corporação Musical Lima Santos, bem como assistir aos seus pomposos desfiles pelas ruas e praças da cidade!

Ela foi fundada no dia dois de julho de 1901, pelo maestro e professor de música Venâncio da Rocha Lima Santos, natural de Sabará/MG, discípulo do padre José Maria Xavier, um renomado músico e mestre na composição sacra que foi pároco em Rio Preto de 1947 a 1948. Desde então, a centenária corporação musical até os dias atuais desfila pelas ruas da cidade abrilhantando as datas comemorativas, os eventos religiosos e o carnaval na cidade de Rio Preto.

A cidade de Rio Preto tem tradição quanto às corporações musicais. Na inauguração da Matriz Senhor dos Passos, em novembro de 1860, uma “banda de música” local se apresentou. O maestro era o professor Teixeira Penna Forte, diretor e proprietário de uma “escola de música vocal e instrumental na Villa do Rio Preto”.

Mas no início do século 20 a música em Rio Preto se fazia de forma esporádica, a convite de músicos ou por prévia combinação. Até que aos dois de julho de 1901, um professor de músico recém-chegado do distrito de Santa Rita de Jacutinga, decidiu fundar uma banda na sede do município, composta por discípulos dedicados, e que nada tinham a ver com a “velha banda”.

Nesse início a banda não tinha nome, mas o público em geral passou a denominá-la de “Bandinha do Mestre Venâncio”, em referência ao professor de música, mentor e criador da banda, que permaneceu à frente da mesma até o dia 28 de maio de 1905, quando veio a falecer em Rio Preto.

Consta que no seu leito de dor, o professor Venâncio, reunido com alguns dos seus alunos e discípulos, como Estevão de Oliveira, Augusto Fagundes, Geraldo Gomes, Manoel Cunha, Antônio Pinto da Silva e outros, pediu-lhes que em todos os anos, mesmo com dois ou três músicos, a banda execute o Hino Nacional na cidade de Rio Preto, no dia sete de setembro.


Venâncio da Rocha Lima Santos

Após o falecimento do professor Venâncio, liderados pelo musicista e sobrinho desse último, Avelino Ferreira da Silva, houve entendimentos com os discípulos do mestre falecido para a formação de uma corporação musical. Apoiados pelo também maestro e pai de Avelino, o advogado Major Manoel Ferreira da Silva, aos 28 de junho daquele corrente ano de 1905, realizaram na improvisada sede da Bandinha do Professor Venâncio uma eleição para a formação da diretoria da corporação musical, cuja primeira resolução foi que o grupo seria denominado Lima Santos, em homenagem ao inesquecível professor.

No dia 23 de julho houve o batismo simbólico da Corporação Musical Lima Santos. Sob a presidência do Major Manoel Ferreira da Silva, Avelino Silva apresentou os estatutos, ficando ele próprio como 1º secretário, e o senhor Urbano Costa como 2º secretário. O regimento interno ficou a cargo da presidência. 

A sua primeira apresentação depois de oficialmente fundada aconteceu aos 25 de julho de 1905, na concorrida festa do povoado de São Pedro do Taguá, a convite do vigário da cidade, padre José Ignácio de Souza Bittencourt, e do abastado fazendeiro daquela localidade, o tenente-coronel Basílio da Costa Mexas, que ofereceu aos músicos um lauto banquete logo após a apresentação inaugural.

Aos sete de setembro aconteceu a mais aguardada apresentação daquele ano de fundação da corporação musical. Atendendo o último pedido do professor Venâncio, a Banda Lima Santos saiu em desfile pelas principais ruas da cidade, executando o Hino Nacional Brasileiro, abrindo e inaugurando assim a tradicional alvorada do Dia da Independência em Rio Preto.

A primeira foto da Banda Lima Santos ocorreu em 28 de março de 1908, tendo aos fundos a Matriz Senhor dos Passos. O presidente da Corporação Musical era o padre José Ignácio de Sousa Bittencourt, e os músicos presentes na foto eram: Alexandre dos Santos Cyrne, Augusto Guida, Padre José, Estevão de Oliveira, Agenor Neves (sentados), e Agostinho Sousa, Pedro Antônio Leocardo (estandarte), Augusto Fagundes, maestro Moyses Nunes, Justino Gomes, Joaquim Lima Santos, Abelard Garcia, José Augusto da Silva, José Guida (em pé), e José da Silveira, Augusto Bôa Ventura de Azevedo, Antônio Alves Tibúrcio e Avelino Ferreira da Silva.

Aos seis de março de 1947, a Corporação Musical Lima Santos realizou a compra de um terreno na Rua Nilo Peçanha, no centro da cidade de Rio Preto, onde construiu um prédio que até os dias atuais serve de sede para a banda, que lá executa ensaios, realiza aulas de música e promove eventos culturais.

*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano.

DAS LITEIRAS DO IMPÉRIO AOS PRIMEIROS AUTOMÓVEIS: BREVE HISTÓRICO DOS VEÍCULOS EM RIO PRETO

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