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quarta-feira, 16 de junho de 2021

Barão de Santa Bárbara: um fidalgo humilde e benevolente no Brasil escravocrata!

A grande maioria dos abastados fazendeiros do século XIX tinham fama de serem atrozes senhores de escravos.

São célebres as atrocidades que eles cometiam contra seus cativos, com açoites, tronco e mil martírios, especialmente na região do Vale do Café, que durante um lapso de tempo abrigou a maior concentração de escravizados de origem africana em todo o país. 

Por isso, são raras e merecem registro as histórias de fidalgos humildes e benevolentes no Brasil escravocrata, como a do Barão de Santa Bárbara, que segue abaixo. 

Boa leitura!

Barão de Santa Bárbara -
Museu Regional de Rio Preto/MG


Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*

Busto do Barão de Santa Bárbara
(defronte o prédio da Prefeitura de S. B. do Monte Verde/MG)
Foto de domínio público - Internet

O Velho Almeida

No final dos anos 1700 chegou ao Brasil um jovem português chamado Antônio de Almeida Ramos (bisavô do Barão de Santa Bárbara). Como tantos outros patrícios, dirigiu-se para a região então denominada Descoberto da Mantiqueira, onde haviam encontrado ouro em grande quantidade. Estabeleceu-se em Ibitipoca, fundou um sítio na paragem de Santo Antônio, casou-se com dona Maria de Oliveira Pedrosa e militarizou-se, chegando a patente de Tenente.

Com o esgotamento das reservas auríferas em Ibitipoca, Manoel Antônio de Almeida Ramos, um dos netos do Tenente Antônio de Almeida Ramos (aquele a quem chamavam de Velho Almeida, o patriarca das extensas famílias Ramos e Almeida, que ainda hoje habitam municípios da zona da mata mineira, como Rio Preto, Santa Bárbara do Monte Verde e Lima Duarte, notadamente) desceu a serra e se estabeleceu em uma extensa várzea situada nas proximidades do rio do Peixe, um subafluente do rio Preto. 

Ali fundou a Fazenda da Boa Vista, casou com Joana Tereza do Espírito do Santo e se tornou um destacado fazendeiro e também militar (Capitão). De acordo com os registros históricos, em 1814 ele já se encontrava ali estabelecido, subscrevendo uma súplica que foi dirigida a D. João VI pelos moradores do território, em que pediam a abertura de uma estrada que, do Rio Preto, conduzisse a São João Del-Rei. Nas proximidades da casa sede de sua fazenda, conhecida como Solar do Manejo, surgiu a povoação do Manejo, localidade situada na zona rural do atual município de Lima Duarte/MG.

1880 - Jornais de Ouro Preto -
Órgão do Partido Conservador

O Barão

João Evangelista de Almeida Ramos nasceu no Manejo, em seis de maio de 1826, filho do capitão Manoel de Almeida e de Joana Tereza. Ainda jovem se mudou para o vizinho município de Rio Preto, fixando-se no então distrito de Santa Bárbara, onde em pouco tempo se tornou um dos maiores fazendeiros e capitalistas da região, como "senhor de engenho de cilindro", mas especialmente devido ao cultivo de café.

Como era de praxe na época, ao se firmar como grande fazendeiro e proprietário de escravos, João Evangelista se tornou militar. Em 1864, pertencia a 6ª companhia, da "parada no Rio do Peixe" (atual Lima Duarte), da Guarda Nacional. À época, possuía a patente de "alferes". Em 1869, ele já aparece como eleitor na "freguesia de Santa Bárbara", onde no ano seguinte figura como Juiz de Paz. Em 1880, já com o título de "Capitão", é nomeado para a 6ª companhia do 34º Batalhão da Guarda Nacional de Rio Preto, cidade para qual foi eleito vereador naquele mesmo ano, pelo Partido Liberal, com 149 votos. 

Por decreto de três de agosto de 1889, recebe o título de "Barão de Santa Bárbara", concedido por Dom Pedro II. Em 1893, com a patente de "Major" reformado, foi alçado a "Tenente-Coronel" do exército da comarca de Rio Preto. E em treze de Julho de 1903, falece João Evangelista de Almeida Ramos, o Barão de Santa Bárbara. Foi sepultado na igreja matriz de Santa Bárbara do Monte Verde.

Vê-se pelo seu inventário que João Evangelista se tornou extremamente rico, com herdades que somavam quase quatro mil alqueires de terras, estendendo-se à época pelos municípios de Rio Preto, Lima Duarte e Juiz de Fora. Ele era proprietário das fazendas de Pirapitinga, Funil, Brejos e Jacutinga, entre outras. Somente na Fazenda do Funil, João Evangelista possuía 870 alqueires de terras. Essa antiga e histórica fazenda deu origem à atual Vila do Funil, no município de Rio Preto, o bucólico e turístico vilarejo situado nas cercanias do Parque Estadual da Serra Negra da Mantiqueira. 

Por tudo isso, ao falecer ele deixou aos seus herdeiros uma do apreciável fortuna, avaliado o monte-mor em Rs 200.000$000 (duzentos contos de réis).

Baronesa de Santa Bárbara -
Museu Regional de Rio Preto/MG

A Baronesa

João Evangelista se casou com Maria Messias Teixeira Guimarães, de Madre de Deus/MG, filha de Francisco de Paula Guimarães, irmão do potentado fazendeiro Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto, morador da vizinha Rio das Flores/RJ. Eles tiveram cinco filhos, mas Maria Messias faleceu ainda jovem.

Mariana Evangelista Duque (ou Mariana de Almeida Duque), nascida em três de maio de 1847, foi a segunda esposa do Barão de Santa Bárbara. De acordo o historiador Alexandre Miranda Delgado, ela distinguia-se "por sua fervorosa religiosidade e espírito caritativo". Esta, por sua vez, era sobrinha de João de Deus Duque, importante figura política da cidade de Lima Duarte/MG. Com ela o Barão teve mais sete filhos que chegaram à idade adulta. Por extensão do título concedido ao marido, ela passou a ser conhecida por Baronesa de Santa Bárbara. Faleceu em nove de Maio de 1924, em Santa Bárbara do Monte Verde, onde foi sepultada.

1889 -
Diário de Notícias do Rio de Janeiro

Humildade

A sua principal fazenda e casa sede de morada era a Pirapitinga, razão pela qual passou a ser chamada de ‘Fazenda Barão’, que permanece como uma das maiores edificações de época no atual município de Santa Bárbara do Monte Verde/MG. Principalmente por meio da figura de João Evangelista, o então distrito de “Santa Bárbara exerceu considerável influência social e econômica no município de Rio Preto, do qual foi um dos mais prestigiosos políticos na Monarquia e nos primeiros tempos da República” - registrou em seu livro “Memória histórica sobre a cidade de Lima Duarte e seu município”, o historiador Alexandre Miranda Delgado.     

João Evangelista reconstruiu a expensas suas, sem qualquer outro auxílio, a Matriz de Santa Bárbara do Monte Verde, inaugurada solenemente em julho de 1886. Três anos depois, em reconhecimento a essa contribuição pública, ele foi agraciado por Dom Pedro II com o título nobiliárquico de Barão de Santa Bárbara, escolhendo o nome da localidade onde vivia para configurar no seu título.

        De acordo com a tradição oral preservada, João Evangelista conservou durante toda a vida seus hábitos bucólicos de homem do campo. “Essa graça, concedida a João Evangelista de Almeida Ramos, foi uma das mais merecidas de que há notícia em nossa nobiliarquia, pois se tratava realmente de um fidalgo de grande nobreza e retidão de caráter” – anotou Delgado, que ainda continuou: 

Conta-se que desconhecidos que desejavam falar-lhe, iam encontrá-lo por vezes incógnito, a cavalo, em mangas de camisa, descalço, trajando vestes rústicas; perguntava-lhe o forasteiro se conhecia o Barão, ao que respondia afirmativamente, adiantando que também estava a sua procura e se dirigia a sua fazenda. Ao chegar, afastava-se por alguns instantes, vestia-se elegantemente e, para surpresa do forasteiro, vinha recebê-lo fidalgamente na sala principal...”

Matriz de Santa Bárbara do Monte Verde/MG
Foto de domínio público - Internet

Benevolência para com os Escravizados

Outro fato curioso que também chama a atenção na biografia do Barão de Santa Bárbara era o tratamento benigno que este dispensava para com os seus escravos. Diz-se que ele não escondia de ninguém que considerava desumano o tratamento dado aos escravos pela grande maioria de seus respectivos proprietários. Em vez de imitar o procedimento desses senhores brutais, que apenas viam no escravo uma máquina de trabalho, que o consideravam como coisa, como animais de carga, de acordo com os registros orais, tratava-os, ele, ao contrário, com o desvelo de pai, considerando-os como companheiros, que o auxiliam em suas fazendas.

Isto porque a sociedade escravista considerava o escravo uma propriedade. Mas, muito embora a legislação da época garantisse ao senhor de escravos a propriedade de todo o trabalho produzido por eles, considerando-o uma mercadoria, um animal, um objeto de trabalho cuja importância se media pela sua capacidade de gerar riqueza, o Barão de Santa Bárbara, por sua vez, tratava-os com respeito e decência.

E o tratamento excepcionalmente humano que os escravos recebiam na Fazenda do Barão contrastava com os numerosos casos de flagelação severa para com os demais escravos que viviam no Vale do Rio Preto, onde os castigos violentos e excessivos eram constantes, motivo pelo qual “escravos houve que, embora pertencentes a outras fazendas, fugiam para a sua propriedade em busca de justiça”. Por esse motivo, “abolida a escravatura em 1888 todos os libertos continuaram seus servidores (...)”, observou Delgado.

Por fim, as histórias contadas de geração em geração reservaram um desfecho ainda mais surpreendente para registrar a relação afetuosa do Barão de Santa Bárbara para com os seus escravos. Muitos relatos confirmaram a veracidade de uma impressionante procissão formada por dezenas de trabalhadores da Fazenda Pirapitinga, que até poucos anos atrás eram formalmente os escravizados de origem africana do Barão, que teria adentrado na povoação de Santa Bárbara do Monte Verde, em julho de 1903, carregando nos braços o caixão onde se encontrava o corpo desfalecido de João Evangelista de Almeida Ramos. Depois de percorrerem a pé os dezoito quilômetros que separam a Fazenda Barão da igreja de Santa Bárbara, os ex-escravos retornaram para aquela fazenda carregando cada qual um pouco de terra do local onde foi sepultado o antigo patrão, como forma de lembrança do humilde e benevolente Barão!

Há uma passagem que deve ser assinalada: quando faleceu, foi carregado de sua fazenda até Santa Bárbara, distante três léguas, pelo braço de seus libertos, pela vontade espontânea dos mesmos e cada um, na volta, levou um punhado de terra da sepultura como lembrança” - conta Delgado.

1903 -
Notícia do Óbito do Barão de Santa Bárbara
Jornal O Pharol


FONTES:

BARÃO DE SANTA BÁRBARA - JOÃO EVANGELISTA DE ALMEIDA RAMOS, de José Marcos Guimarães Carvalho;

BARÃO DE SANTA BÁRBARA - Série Ilustres - FATO Genealogia, de Henrique Filgueiras (internet);

DESCOBERTO DA MANTIQUEIRA - O SERTÃO PROHIBIDO DO RIO PRETO, de Rodrigo Magalhães;

Memória histórica sobre a cidade de Lima Duarte e seu município, de Alexandre Miranda Delgado.


*Rodrigo Magalhães é pesquisador e historiador riopretano!

5 comentários:

  1. Meu Tio/bisavô Fortunato Delgado da Motta casou com Gabriela Delgado de Almeida, filha do segundo casamento do Barão

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    1. O patriarca dos Delgado fundou a cidade de Lima Duarte. Tem detalhes no livro de Lima Duarte. Forte abraço, meu caro!

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  2. Tenho o sobrenome Almeida, meu pai é um Almeida e nasci em Goiás. Gostaria muito de recuperar a árvore genealógica dos meus antepassados! Alguém poderia me ajudar onde encontrar o fio condutor q me leve à aos portugueses Almeida no Brasil. Essa biografia do Barão poderia ser um começo?

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    1. Boa noite! Então, no livro do Barão citado na bibliografia fala que esse Velho Almeida era português, e o patriarca da família. Penso que pode ser um bom começo, sim. Abraço!

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  3. Meu pai e toda sua ascendência nasceram em Rio Preto e tem por sobreNome almeida, Meu se chamava José de almeida Pires.
    Já minha mãe e seus pais nasceram em Santa Bárbara, minha avó materna se chamava Maria Perpétua Faria Coutinho Soares

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