Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*
Há exatos dois séculos, no dia nove de maio de 1821, acontecia o primeiro batismo (oficial) na povoação então denominada de Presídio, de acordo com o Livro nº 01 de Registros de Batismos do Curato de Rio Preto. Portanto, hoje a cidade de Rio Preto completa duzentos anos de sua criação formal, nos moldes do que preconizava a hierarquia “religioso-político administrativa” vigente no início dos anos 1800 no país.
Aplicação do Senhor dos Passos
Estima-se que em 1728 já existia uma singela capela no território até então conhecido por Passagem do Rio Preto. Era considerada uma ermida e se situava bem no centro do atual cemitério de Nosso Senhor dos Passos, no outrora Morro dos Beatos (hoje Morro dos Pintos), ao redor da qual foram surgindo as primeiras casas da incipiente povoação.
Mas foi somente a partir de 1780 que o arraial se desenvolveu, quando a Coroa portuguesa instituiu um presídio na localidade, e o Capitão-General Dom Rodrigo José de Menezes visitou a região e iniciou a concessão de sesmarias. Desta feita, acorreram muitos interessados para a localidade que passou a ser conhecida à época por Povoação do Presídio do Rio Preto, antigos e novos habitantes, civis, militares, servidores públicos e também eclesiásticos.
Em 14 de agosto de 1791, quando Barbacena foi elevada a vila, uma de suas capelas filiadas era justamente a “da Aplicação de Nosso Senhor dos Passos do Rio Preto”, que já tinha por padroeiro o Senhor dos Passos. Portanto, tem-se que desde a sua origem o território do município de Rio Preto pertencia religiosa e administrativamente à Barbacena que, por sua vez, fazia parte do Bispado de Mariana.
Padre Almada
Atualmente podemos afirmar que um desses pioneiros habitantes de Rio Preto era um padre, que já no início dos oitocentos residia nas proximidades da povoação do Presídio. Chamava-se Antônio Vicente de Almada, e foi ele que confeccionou, em 1803, um mapa da margem fluminense do rio Preto, no exato local onde se assenta Parapeúna, atual distrito de Valença/RJ. Em maio de 1811, ao requerer uma sesmaria naquele território, declarou ser “morador no Rio Preto”, conforme se vê do seu pedido nos arquivos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Confirma também essa informação a anotação contida na página 05, do Livro nº 03 de Batizados de Rio Preto, onde se lê que “o Pe. Antonio Vicente de Almada em 1812 baptizou filho legítimo de Manoel Ribeiro do Valle e Anna; foram padrinhos: Antônio Fortes de Bustamante e José Joaquim de Vasconcellos”.
Não há outros registros paroquiais que confirmem se ele realizou também missas e demais celebrações litúrgicas na capela do Senhor dos Passos e na igreja do Rosário, já existentes na época. Todavia, é muito provável que Antônio Vicente tenha desempenhado esse papel, sendo que naqueles idos a presença de um padre em um arraial, onde essa figura ainda não existia oficialmente, praticamente o obrigaria a fazê-lo.
O padre Almada iniciou a sua vida sacerdotal em Aiuruoca, sendo que “aos três de outubro de mil setecentos e oitenta e cinco na Capella do Senhor Bom Jesus do Livramento filial desta Matriz de Ayuruoca o Padre Antonio Vicente de Almada baptizou e pos os santos oleos a inocente Bernardina filha legitima de Enrique Joam de Faria e Ignacia dos Reis Pimentel”. Alguns anos depois, encontramos os primeiros registros dele nessa região do Descoberto da Mantiqueira, onde já havia requerido um título de sesmaria em 1798, “referente à carta de sesmaria de meia légua em quadra, da fazenda que comprou no distrito de Ibitipoca, termo da Vila de Barbacena”.
Muito provavelmente, padre Almada logo seguiu o exemplo de outros moradores da região de Ibitipoca que partiram naquela época para o arraial do Rio Preto, após os investimentos da província de Minas nessa parte central do Descoberto da Mantiqueira, onde foram criados um Registro e uma Guardamoria (1798).
Curato do Rio Preto do Presídio
No ano de 1801 aconteceu o pioneiro batismo de que se tem registro em Rio Preto, quiçá em todo o território do Vale do Rio Preto. Esse batismo ratifica a antiguidade da Ermida e também confirma a atuação de padres na cidade, desde os primeiros meses dos anos 1800. De acordo com esse registro, aos 25 de maio de 1801 foi batizada uma índia em Rio Preto/MG: “Felícia Maria do Espírito do Santo, gentia do mato que por si pediu o batismo dizendo que nunca fora batizada”.
Em 26 de janeiro de 1807, José Furtado de Figueiredo, o primeiro filho do Alferes e Escrivão do Registro do Rio Preto, João Furtado de Figueiredo, também foi batizado na “Ermida do Senhor dos Passos - Rio Preto - MG”.
Mas, apesar de toda a antiguidade dessa primeira capela erigida, dos supramencionados batismos realizados na povoação e do fato de já existir um sacerdote residindo no arraial desde o início do século 19, somente em 1821 a povoação de Rio Preto foi elevada à Curato, com a chegada do primeiro padre nomeado oficialmente para o arraial do Presídio.
O curato é um termo de origem religioso, que era usado antigamente para designar os arraiais e povoados que já apresentavam condições mínimas necessárias para abrigar um padre, como uma capela com um batistério. Ou seja, era uma zona geográfica eclesiástica da Igreja Católica provida de um cura residente para cuidar das atividades religiosas sob a dependência de uma paróquia, mas com ampla autonomia.
Sendo assim, a criação do curato era considerada o primeiro reconhecimento formal da existência de uma povoação no Brasil colônia. Portanto, a partir de 1821 que foram demarcados e fixados os limites territoriais e perímetro urbano do Curato do Rio Preto do Presídio, sendo a localidade elevada no status religioso-administrativo.
Frei Henrique
Esse padre nomeado se chamava Henrique D’Anunciação Got. Na verdade era um frei capelão (capela curada), e trazia licença do vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca, padre Agostinho Vidal Pinheiro. É que a partir de 1821, Rio Preto deixou de pertencer religiosamente à Barbacena, filiando-se a recém-criada paróquia de Ibitipoca, situada em território mais próximo, que se desmembrara de Barbacena.
Frei Henrique era um europeu não nascido nem vivido em Portugal. Pouco familiarizado com a língua, não escrevia em português correto. Os escravos Carmelo Monjolo e Manoel Rabelo constam do Livro nº 1 de Registro de Batismos como as primeiras pessoas a serem batizadas em Rio Preto pelo Frei Henrique, em 09/05/1821. Assim, como não se conhece até o momento a data exata de criação da capela curada, consideramos a data inaugural do primeiro livro do Curato de Rio Preto – nove de maio de 1821, como o marco inicial da existência formal da cidade de Rio Preto..
O capelão Frei Henrique fundou a Irmandade do Rosário, a pioneira entidade eclesiástica de Rio Preto, em 1830. Foi ele também quem escreveu um importante documento, datado de 15 de maio de 1830, ao Provedor das Capelas da região implorando licença para edificarem uma nova igreja com invocação de Nosso Senhor dos Passos, pois, segundo alegava, “a que existe está em ruínas”. Em função desse pedido, por provisão de 30 de março de 1831, o Bispado de Mariana autorizou a edificação da atual Matriz de Nosso Senhor dos Passos do Rio Preto.
Ele faleceu em Rio Preto, em 1830, e foi sepultado no adro dessa primitiva capela de Nosso Senhor dos Passos, no atual cemitério do Morro dos Pintos. Interessante observar que Frei Henrique adquiriu muitos bens na localidade durante esses nove anos residindo em Rio Preto, conforme se vê do processo de Arrecadação de seus Bens: “(...) hum terreno na Estrada Nova pela parte de cima; ...outro pela parte de baixo da referida Estrada; ...assim como uma Chácara denominada o Pito Aceso, com cafezal e uma casinha”.
Paróquia do Senhor dos Passos
Onze anos depois de ter sido instituído o curato, devido ao seu desenvolvimento econômico e populacional, a localidade foi elevada a paróquia. Rio Preto foi assim promovido na hierarquia religioso-político administrativa, tornando-se um distrito do termo de Barbacena e uma freguesia autônoma - Freguesia de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto do Presídio.
Vê-se que entre todos os vinte e oito distritos e populações pertencentes ao Termo de Barbacena, em 1833, segundo os “Mapas de População” encontrados no Arquivo Público Mineiro, o recém-criado distrito de Rio Preto já aparecia como a segunda povoação mais populosa, com 2.420 habitantes. Juiz de Fora contava com 1.532 moradores na época, e o distrito sede (Barbacena), com 2.439.
Por essa razão, aliado à forte estrutura religiosa de Rio Preto na época, que em 1832 já contava com uma Capela (Senhor dos Passos), com uma Igreja do Rosário (onde em sua capela-mor desde 1812 já se celebravam missas) e uma imponente e suntuosa Matriz em construção, o distrito já surgiu com três importantes povoações pertencendo a sua paróquia: São Domingos da Bocaina (distrito de Lima Duarte/MG), Bom Jardim de Minas/MG e Pirapitinga (povoado de Santa Bárbara do Monte Verde/MG).
“DECRETO DE 14 DE JULHO DE 1832,
Eleva a Parochos diversos Curatos da Provincia de Minas Geraes e supprime outras.
A Regência em nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, Tem Sanccionado, e mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembléia Geral sobre a proposta do Conselho Geral da Província de Minas Geraes:
(...) Art. 2º Na comarca do Rio das Mortes os seguintes Curatos:
(...) 7º O Curato do Rio Preto do Presidio, tendo por filiaes os Curatos de S. Domingos da Bocaina e Bom-Jardim, e o districto da Pirapetinga.”
Vila, Município e Cidade
Aos quinze dias do mês de abril de 1844, pela Lei Provincial nº 271, o distrito de Rio Preto se desmembrou de Barbacena e foi criada a Vila de Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto, formando-se o município. Interessante observar que foi a primeira vez, desde o seu surgimento, que se denominou oficialmente a localidade sem fazer referência ao antigo Presídio, edificado em seu solo em 1780, considerado até então como a nomenclatura que a identificava.
Finalmente, no dia 21 de setembro de 1871 a Vila de Rio Preto foi elevada à categoria de cidade. Desde então, o aniversário da localidade é comemorado nesta última data, e não no dia que marca a criação do Curato, da Freguesia ou da Vila e do Município, como ocorre em diversas localidades espalhadas pelo país, preocupadas em resgatar e preservar a memória histórica de maneira mais precisa e justa!
*Rodrigo Magalhães, pesquisador e historiador riopretano




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