Corria
o ano de 1971. A população de Rio Preto estava em clima de festa. No dia 21 de
setembro a cidade iria completar 100 anos da última criação. Sim, Rio Preto
teve que ser criada por quatro oportunidades. Isso porque, caso único em Minas
Gerais, o município ao longo de sua existência foi rebaixado por três vezes na
hierarquia político-administrativa. Por esse motivo, depois de ser criado em
1844, mais três leis foram necessárias para, enfim, o município ser emancipado
definitivamente, em 1871.
Os
moradores já há alguns meses viviam por conta dos preparativos para as diversas
atividades comemorativas planejadas para acontecerem naquela importante data.
Mas ainda em julho foi realizada a abertura oficial das comemorações do 1º
centenário da cidade de Rio Preto. Foram escolhidos, em concurso público, a
canção do centenário, a bandeira oficial do município e seu novo brasão.
Todo
esse clima festivo e o ambiente cultural criados em vista dos preparativos para
o grande dia que se aproximava, contagiou especialmente um grupo composto por
23 adolescentes locais, estudantes do terceiro ano da Escola Estadual da
cidade. Eles tiveram a ideia de escrever
uma carta para Carlos Drummond de Andrade, poeta, contista e cronista
brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século
XX. "(...)
E
para surpresa geral e encanto de todos os riopretanos, o grande poeta
brasileiro atendeu ao pedido e escreveu diversas frases sobre Rio Preto, que com
toda a certeza ficarão registradas para a posteridade. Esbanjando atenção e
simplicidade, Drummond pesquisou sobre a cidade no Delta-Larousse e também no Dicionário
Histórico-Geográfico de Minas Gerais, e fez uma crônica esplêndida...
Singela e ao mesmo tempo profunda!
A
crônica de Drummond sobre Rio Preto ganhou as páginas do Jornal do Brasil, o
principal veículo impresso de informação do país à época, que a publicou
originalmente no dia 18 de setembro de 1971, dias antes do aniversário da cidade.
"Eu era um dos vinte e três alunos, que sob a inspiração do professor Vitorino Alvim, ajudou a elaborar a carta. Foi a maior surpresa e alegria quando a dona Aída Ramalho, professora de Francês, apareceu com o jornal em mãos" - relembra com emoção, José Antônio Cunha!
Além de compor o legado literário imensurável deixado por Drummond, certamente essa crônica merece destaque como uma importante peça integrante do patrimônio histórico cultural de Rio Preto.
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| Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG. |
“Ilza
Maria Reis de Oliveira e mais 22 alunos da terceira série do Colégio Estadual
de Rio Preto mandaram a este escrevinhador uma carta que diz:
‘A
cidade vai fazer 100 anos! É pretensão nossa fazer uma revista – uma foto da
comunidade. Aqui tem rio, tem jardim, tem cruzeiro, até dois, no alto do morro,
sinos, ruas tortas... Escreva uma crônica para nós! Você é o responsável por
aqueles a quem cativou.'
'Esperamos,
hem? Ficaríamos tão sem graça se não nos atendesse.’
"Li
e disse:
-
Ei, maquininha, atende à garotada de Rio Preto.
-
Mas eu não sei nada de Rio Preto.
-
Não sabe? Um rio, um jardim, dois cruzeiros no alto do morro, sinos e umas duas
ruas tortas não dão para encher uma crônica? Com muito menos já fizeram até
romances. Até manifestos, mensagens de Governo.
-
O rio de lá é mesmo preto, ou há exagero no nome? E porque dois cruzeiros? Não
bastava um? Os sinos são bem tocados? Ouvi dizer que há falta de bons sineiros
no interior.
-
Você está perguntando demais. É festa de aniversário, não inquérito policial.
-
Sem saber primeiro por que Rio Preto é diferente de Rio Branco, de Rio Vermelho
e de Rio Verde, não bato nada. Me veja aí a Delta-Larousse.
-
Pera aí. A Delta-Larousse diz, que Rio Preto... Mas tem 16 verbetes de Rio
Preto!
-
Viu? Como é que vou saber qual desses Rios Pretos é a terra da Ilza Maria e vai
completar 100 anos?
-
Calma. Tirando Rio Preto (Barão do), seis serras e uma chapada que se erguem
pelo Brasil afora, um município de São Paulo, outro da Bahia e outro do
Amazonas, que se chamavam assim mas agora não se chamam, e ainda alguns
trocados, esse Rio Preto centenário só pode ser de Minas, você não vê logo?
-
Não vejo, por quê?
-
Diz a garota que eles ficariam tão sem graça. Expressão mineira, das boas.
Mineiro não se decepciona, perde a graça. Está aqui: mais de 10 mil habitantes,
cursos primários, ensino médio.
-
Quero mais!
-
Ô maquininha insaciável. Por sorte tenho à mão o Dicionário
Histórico-Geográfico de Minas Gerais, de Valdemar de Almeida Barbosa, obra de
muita valia, saída agorinha do prelo, e vou aprendendo coisas adicionais sobre
Rio Preto:
O
povoado amanheceu com século XIX. Primeiro capelão, em 1821 a vila ganhou nome
bélico: Presídio de Rio Preto (guarnição militar, não prisão). Dona Maria
Teresa deu do seu bolso 200 contos para as obras da Matriz, inaugurada em 1860,
era uma fábula de dinheiro. A política maltratou muito a comunidade. Em 21 de
setembro de 1871, Rio Preto ganhou foros de cidade.
-
Tem mais?
-
Escute aqui, ô maquininha: se você insistir, brigamos. Eu por mim faria crônica
simplesmente com um sino, um rio e um jardim.
Com
a vogal i tinindo, fluindo, florindo Rio Preto e seus colegiais, que ficariam
sem graça se a crônica não fosse feita. Botava os nomes dos 23; tem Edgar, tem
Valéria, tem Marisa e Marilda e Eliana e José Vicente e Luís Sérgio etc...
-
Bonita coisa, você encher a coluna dessa maneira!
-
Por que não? Nome de gente moça é moço também, espalha mocidade no papel, no
centenário de Rio Preto, até no meu centenário pessoal, que não tarda chegar. A
propósito, maquininha, daqui a algumas semanas - semanas ou anos, não sei bem -
quando eu fizer 100 anos, você bate uma crônica sobre mim?
-
De tanto bater, bater, entra ano sai ano, você pode fazer isso sozinho!
-
Até lá, viva Rio Preto, seu morro, seus garotos, sua paz mineira.”
Carlos Drummond de Andrade


Muito bom amigo, parabéns...
ResponderExcluirObrigado. Grande abraço!
ExcluirÉ de emocionar...se 100 vezes eu a releio...101 eu me emociono...
ResponderExcluirEu amo Rio Preto!!!
Obrigada Poeta...
Obrigada Rodrigo!
Muito emocionante mesmo.
ExcluirObrigado pelo carinho.
Grande abraço em todos aí!