As lendas
compõem o patrimônio histórico de um município. Passadas de geração a geração, elas
combinam fatos reais e históricos com fatos fictícios, fruto da imaginação
humana. São cercadas de mistérios, e causam fascínio e curiosidades. Por isso,
seu resgate é de suma importância, porque através dessas histórias se
transmitem as tradições e culturas de um povo.
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Uma das lendas
mais antigas e famosas de Rio Preto remonta à época do contrabando do ouro,
justamente o período que marca o início da ocupação do território do município,
ainda na primeira metade do século 18. Por isso o cenário desse conto é a Serra
Negra da Mantiqueira, na mística região turística do Funil, por onde passava
boa parte desses contrabandistas do ouro que vinham da zona mineradora com
destino aos portos do Rio de Janeiro.
Relaciona-se com uma trilha que existe até hoje e é denominada justamente
de “Burro de Ouro” (ou ”Cruz do Nêgo”) que, de acordo com a
tradição oral e alguns vestígios remanescentes, foi uma das rotas mais
utilizadas para transposição daquela serra.
Denominava-se na
época de Serra de São Gabriel todo um
complexo de ramificações da Serra Negra (inclusive a Serra do Funil), situadas
na Serra da Mantiqueira. Trata-se de uma região extremamente montanhosa, de
altitude elevada, com solo predominantemente arenoso (“solo leve”), que é um
tipo de solo que apresenta grande porosidade e, consequentemente, há nele instabilidade
do terreno e o perigo de deslizamentos. São os chamados “carrascais”.
Do alto da
Serra Negra desciam para a Serra São Gabriel, em lombo de burros (em tropas ou
sozinhos), as famosas barricas de ouro. Normalmente, cada uma tinha capacidade
para transportar cerca de 45 kg de ouro em pó. Colocando-se uma barrica em cada
bruaca, mesmo parcialmente cheias, a besta carregava uma carga total
extremamente valiosa. Uma verdadeira fortuna!
Abismos e
desfiladeiros eram vencidos por esses animais, criteriosamente escolhidos face
à preciosidade da carga contrabandeada que transportavam.
Conta-se que, em um trecho muito alto e suntuoso, certa vez um desses burros deslizou-se no terreno e despencou de um precipício de mais de 50 metros de altura. Quando horas depois os tropeiros que o conduziam conseguiram adentrar o local em que o animal caíra com a carga, procederam a uma minuciosa procura. Mas, por se tratar de um terreno extremamente irregular e pedroso, situado em mata fechada, não se achou nada naquele dia, nem mesmo os restos mortais do pobre animal.
Permaneceram então
por muitos dias vasculhando aquele local de difícil acesso, mas que rapidamente
se encheu de gente que para lá se dirigiu após a notícia do burro de ouro que
havia sumido!
Três hipóteses
são passadas de geração em geração para se contar o fim dessa história.
De acordo com
a primeira, essas barricas teriam se desfarelado completamente ao baterem nas
pedras durante a queda, e o ouro em pó que abrigavam espalhou-se durante a
trajetória e se misturou com o terreno arenoso, perdendo-se toda a carga.
Outra hipótese
se baseia na possibilidade de alguma pessoa tê-lo encontrado e permanecido silente,
ficando com todo o ouro para si.
E, por fim,
conta-se também que as barricas, pelo fato de os seus destroços nunca terem
sido encontrados, permanecem intactas e cheias de ouro em algum local daquela
região onde caíram. Uma espécie de dolina – uma depressão no solo, que é
rebaixado por vários metros, formando grandes vales com vegetação em seu
interior.
Um pouco de
lenda e de verdade. Mas apesar dos fins distintos, o fato é que desde então
esse local da região do Funil, ocasionalmente, recebe aventureiros à procura do
burro de ouro perdido!
A tradição oral sustenta, pelo menos, outras duas histórias de Burro de Ouro no município de Rio Preto. Uma nas proximidades do povoado de Três Cruzes, também situado na Serra da Negra da Mantiqueira. Já a outra teria ocorrido na região do arraial de São Pedro do Taguá. Em relação a essa última, conta-se que o burro carregado de ouro contrabandeado teria caído no rio Preto, um pouco abaixo da foz do ribeirão Água Limpa, onde há na sua margem mineira um alto barranco (um dos pontos mais elevados naquele trecho), em um local em que o rio faz uma acentuada curva, razão pela qual, face à profundidade excessiva daquele ponto, acredita-se que até hoje esse tesouro permanece nas profundezas do rio Preto.


