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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

LENDAS RIOPRETANAS: O BURRO DE OURO!

 

Blog Rio Preto Noutros Tempos - por Rodrigo Magalhães*


As lendas compõem o patrimônio histórico de um município. Passadas de geração a geração, elas combinam fatos reais e históricos com fatos fictícios, fruto da imaginação humana. São cercadas de mistérios, e causam fascínio e curiosidades. Por isso, seu resgate é de suma importância, porque através dessas histórias se transmitem as tradições e culturas de um povo. 

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Uma das lendas mais antigas e famosas de Rio Preto remonta à época do contrabando do ouro, justamente o período que marca o início da ocupação do território do município, ainda na primeira metade do século 18. Por isso o cenário desse conto é a Serra Negra da Mantiqueira, na mística região turística do Funil, por onde passava boa parte desses contrabandistas do ouro que vinham da zona mineradora com destino aos portos do Rio de Janeiro.  Relaciona-se com uma trilha que existe até hoje e é denominada justamente de “Burro de Ouro” (ou ”Cruz do Nêgo”) que, de acordo com a tradição oral e alguns vestígios remanescentes, foi uma das rotas mais utilizadas para transposição daquela serra.

Denominava-se na época de Serra de São Gabriel todo um complexo de ramificações da Serra Negra (inclusive a Serra do Funil), situadas na Serra da Mantiqueira. Trata-se de uma região extremamente montanhosa, de altitude elevada, com solo predominantemente arenoso (“solo leve”), que é um tipo de solo que apresenta grande porosidade e, consequentemente, há nele instabilidade do terreno e o perigo de deslizamentos. São os chamados “carrascais”.

Do alto da Serra Negra desciam para a Serra São Gabriel, em lombo de burros (em tropas ou sozinhos), as famosas barricas de ouro. Normalmente, cada uma tinha capacidade para transportar cerca de 45 kg de ouro em pó. Colocando-se uma barrica em cada bruaca, mesmo parcialmente cheias, a besta carregava uma carga total extremamente valiosa. Uma verdadeira fortuna!

Abismos e desfiladeiros eram vencidos por esses animais, criteriosamente escolhidos face à preciosidade da carga contrabandeada que transportavam.


Conta-se que, em um trecho muito alto e suntuoso, certa vez um desses burros deslizou-se no terreno e despencou de um precipício de mais de 50 metros de altura. Quando horas depois os tropeiros que o conduziam conseguiram adentrar o local em que o animal caíra com a carga, procederam a uma minuciosa procura. Mas, por se tratar de um terreno extremamente irregular e pedroso, situado em mata fechada, não se achou nada naquele dia, nem mesmo os restos mortais do pobre animal.

Permaneceram então por muitos dias vasculhando aquele local de difícil acesso, mas que rapidamente se encheu de gente que para lá se dirigiu após a notícia do burro de ouro que havia sumido!

Três hipóteses são passadas de geração em geração para se contar o fim dessa história.

De acordo com a primeira, essas barricas teriam se desfarelado completamente ao baterem nas pedras durante a queda, e o ouro em pó que abrigavam espalhou-se durante a trajetória e se misturou com o terreno arenoso, perdendo-se toda a carga.

Outra hipótese se baseia na possibilidade de alguma pessoa tê-lo encontrado e permanecido silente, ficando com todo o ouro para si.

E, por fim, conta-se também que as barricas, pelo fato de os seus destroços nunca terem sido encontrados, permanecem intactas e cheias de ouro em algum local daquela região onde caíram. Uma espécie de dolina – uma depressão no solo, que é rebaixado por vários metros, formando grandes vales com vegetação em seu interior.

Um pouco de lenda e de verdade. Mas apesar dos fins distintos, o fato é que desde então esse local da região do Funil, ocasionalmente, recebe aventureiros à procura do burro de ouro perdido!




A tradição oral sustenta, pelo menos, outras duas histórias de Burro de Ouro no município de Rio Preto. Uma nas proximidades do povoado de Três Cruzes, também situado na Serra da Negra da Mantiqueira. Já a outra teria ocorrido na região do arraial de São Pedro do Taguá. Em relação a essa última, conta-se que o burro carregado de ouro contrabandeado teria caído no rio Preto, um pouco abaixo da foz do ribeirão Água Limpa, onde há na sua margem mineira um alto barranco (um dos pontos mais elevados naquele trecho), em um local em que o rio faz uma acentuada curva, razão pela qual, face à profundidade excessiva daquele ponto, acredita-se que até hoje esse tesouro permanece nas profundezas do rio Preto.

*Rodrigo Magalhães é pesquisador e historiador riopretano!

sábado, 5 de dezembro de 2020

'RIO PRÊTO NA CRÔNICA', por Carlos Drummond de Andrade (1971)!

Blog Rio Preto Noutros Tempos – por Rodrigo Magalhães*­­­

Corria o ano de 1971. A população de Rio Preto estava em clima de festa. No dia 21 de setembro a cidade iria completar 100 anos da última criação. Sim, Rio Preto teve que ser criada por quatro oportunidades. Isso porque, caso único em Minas Gerais, o município ao longo de sua existência foi rebaixado por três vezes na hierarquia político-administrativa. Por esse motivo, depois de ser criado em 1844, mais três leis foram necessárias para, enfim, o município ser emancipado definitivamente, em 1871.

Os moradores já há alguns meses viviam por conta dos preparativos para as diversas atividades comemorativas planejadas para acontecerem naquela importante data. Mas ainda em julho foi realizada a abertura oficial das comemorações do 1º centenário da cidade de Rio Preto. Foram escolhidos, em concurso público, a canção do centenário, a bandeira oficial do município e seu novo brasão.

            Todo esse clima festivo e o ambiente cultural criados em vista dos preparativos para o grande dia que se aproximava, contagiou especialmente um grupo composto por 23 adolescentes locais, estudantes do terceiro ano da Escola Estadual da cidade.  Eles tiveram a ideia de escrever uma carta para Carlos Drummond de Andrade, poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX. "(...) Escreva uma crônica para nós! Você é o responsável por aqueles a quem cativou" - provocaram-no os inspirados alunos!

E para surpresa geral e encanto de todos os riopretanos, o grande poeta brasileiro atendeu ao pedido e escreveu diversas frases sobre Rio Preto, que com toda a certeza ficarão registradas para a posteridade. Esbanjando atenção e simplicidade, Drummond pesquisou sobre a cidade no Delta-Larousse e também no Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais, e fez uma crônica esplêndida... Singela e ao mesmo tempo profunda!

A crônica de Drummond sobre Rio Preto ganhou as páginas do Jornal do Brasil, o principal veículo impresso de informação do país à época, que a publicou originalmente no dia 18 de setembro de 1971, dias antes do aniversário da cidade.

"Eu era um dos vinte e três alunos, que sob a inspiração do professor Vitorino Alvim, ajudou a elaborar a carta. Foi a maior surpresa e alegria quando a dona Aída Ramalho, professora de Francês, apareceu com o jornal em mãos" - relembra com emoção, José Antônio Cunha!

Além de compor o legado literário imensurável deixado por Drummond, certamente essa crônica merece destaque como uma importante peça integrante do patrimônio histórico cultural de Rio Preto.

Acervo do Museu Regional de Rio Preto/MG.

Ilza Maria Reis de Oliveira e mais 22 alunos da terceira série do Colégio Estadual de Rio Preto mandaram a este escrevinhador uma carta que diz:

‘A cidade vai fazer 100 anos! É pretensão nossa fazer uma revista – uma foto da comunidade. Aqui tem rio, tem jardim, tem cruzeiro, até dois, no alto do morro, sinos, ruas tortas... Escreva uma crônica para nós! Você é o responsável por aqueles a quem cativou.'

'Esperamos, hem? Ficaríamos tão sem graça se não nos atendesse.’

"Li e disse:

- Ei, maquininha, atende à garotada de Rio Preto.

- Mas eu não sei nada de Rio Preto.

- Não sabe? Um rio, um jardim, dois cruzeiros no alto do morro, sinos e umas duas ruas tortas não dão para encher uma crônica? Com muito menos já fizeram até romances. Até manifestos, mensagens de Governo.

- O rio de lá é mesmo preto, ou há exagero no nome? E porque dois cruzeiros? Não bastava um? Os sinos são bem tocados? Ouvi dizer que há falta de bons sineiros no interior.

- Você está perguntando demais. É festa de aniversário, não inquérito policial.

- Sem saber primeiro por que Rio Preto é diferente de Rio Branco, de Rio Vermelho e de Rio Verde, não bato nada. Me veja aí a Delta-Larousse.

- Pera aí. A Delta-Larousse diz, que Rio Preto... Mas tem 16 verbetes de Rio Preto!

- Viu? Como é que vou saber qual desses Rios Pretos é a terra da Ilza Maria e vai completar 100 anos?

- Calma. Tirando Rio Preto (Barão do), seis serras e uma chapada que se erguem pelo Brasil afora, um município de São Paulo, outro da Bahia e outro do Amazonas, que se chamavam assim mas agora não se chamam, e ainda alguns trocados, esse Rio Preto centenário só pode ser de Minas, você não vê logo?

- Não vejo, por quê?

- Diz a garota que eles ficariam tão sem graça. Expressão mineira, das boas. Mineiro não se decepciona, perde a graça. Está aqui: mais de 10 mil habitantes, cursos primários, ensino médio.

- Quero mais!

- Ô maquininha insaciável. Por sorte tenho à mão o Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais, de Valdemar de Almeida Barbosa, obra de muita valia, saída agorinha do prelo, e vou aprendendo coisas adicionais sobre Rio Preto:

O povoado amanheceu com século XIX. Primeiro capelão, em 1821 a vila ganhou nome bélico: Presídio de Rio Preto (guarnição militar, não prisão). Dona Maria Teresa deu do seu bolso 200 contos para as obras da Matriz, inaugurada em 1860, era uma fábula de dinheiro. A política maltratou muito a comunidade. Em 21 de setembro de 1871, Rio Preto ganhou foros de cidade.

- Tem mais?

- Escute aqui, ô maquininha: se você insistir, brigamos. Eu por mim faria crônica simplesmente com um sino, um rio e um jardim.

Com a vogal i tinindo, fluindo, florindo Rio Preto e seus colegiais, que ficariam sem graça se a crônica não fosse feita. Botava os nomes dos 23; tem Edgar, tem Valéria, tem Marisa e Marilda e Eliana e José Vicente e Luís Sérgio etc...

- Bonita coisa, você encher a coluna dessa maneira!

- Por que não? Nome de gente moça é moço também, espalha mocidade no papel, no centenário de Rio Preto, até no meu centenário pessoal, que não tarda chegar. A propósito, maquininha, daqui a algumas semanas - semanas ou anos, não sei bem - quando eu fizer 100 anos, você bate uma crônica sobre mim?

- De tanto bater, bater, entra ano sai ano, você pode fazer isso sozinho!

- Até lá, viva Rio Preto, seu morro, seus garotos, sua paz mineira.

               Carlos Drummond de Andrade

*Rodrigo Magalhães é pesquisador e historiador riopretano!

DAS LITEIRAS DO IMPÉRIO AOS PRIMEIROS AUTOMÓVEIS: BREVE HISTÓRICO DOS VEÍCULOS EM RIO PRETO

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