Blog Rio Preto Noutros Tempos, por Rodrigo Magalhães*
“Naqueles tempos felizes em que os veículos a
motor ainda não circulavam como hoje nas ruas da pequena cidade. Havia apenas os
tílburis e os carros de bois. Como passageiro destes últimos se ia às festas do
Taguá e Santo Antônio das Varejas. Da Fazenda de São Bento, ainda vinha à
cidade uma das famosas liteiras do Império...”[1] –
certa vez recordou o saudoso doutor José Antônio Tavares, que viveu em Parapeúna/Rio
Preto na primeira metade do século XX.
Neste
artigo abordamos a história dos meios de transporte no município de Rio Preto,
desde o período em que somente existiam por aqui cavalos e carroças, passando
pelos vistosos veículos de tração animal da época do Brasil Império utilizados
pelos Barões do Café, até chegarmos aos pioneiros automóveis movidos a gasolina
de meados dos anos 1920. Acabamos descobrindo que, possivelmente, um dos
primeiros automóveis de toda a região circulou muitos anos pelas ruas de Rio Preto
e hoje se encontra em um museu!
Veículos
de tração animal
Analisando
os processos de inventários dos mais abastados moradores de Rio Preto na época
do Império brasileiro, constatamos que a maioria de suas respectivas “casas da
cidade” eram dotadas de cocheiras. Esse detalhe pode parecer estranho em um
primeiro momento, mas as cocheiras eram absolutamente necessárias no período em
que as pessoas de posse andavam a cavalo. Esses animais necessitavam de
moradia, pois eram eles que serviam ao transporte de humanos, bem como de carga
(neste caso se utilizava mais os muares - bestas, burros e mulas).
Como
meio de transporte coletivo, o mais comum era a utilização dos carros de bois,
quando se necessitava conduzir uma quantidade maior de pessoas da zona rural
para a cidade, e vice-versa, assim como para as festas dos povoados mais
antigos do município de Rio Preto, como é o caso de Santo Antônio das Varejas e
São Pedro do Taguá, citados por Tavares.
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| Carro de boi, por Debret - foto de internet |
Quem
tinha uma condição financeira melhor naqueles tempos idos andava de Tílburi, um
veículo normalmente descoberto, com duas rodas e dois lugares, puxado somente por um
animal. A origem da palavra tílburi vem do nome do inventor desse veículo –
Gregor Tílbury.
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| Tílburi - foto de internet |
As famílias mais abastadas, por sua vez, possuíam suntuosas Liteiras, como os Bustamante Fortes, potentados proprietários da Fazenda Santa Clara, e os Brandão da Fazenda São Bento. A Liteira era uma espécie de cadeira portátil, aberta ou fechada, suportada por duas varas laterais. Era transportada por dois liteireiros (normalmente escravos) ou dois animais, um à frente e outro atrás. As liteiras eram muito utilizadas como meio de transporte de personalidades abastadas desde a Roma Antiga.
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| Liteira - foto de internet |
Outro registro de liteira famosa da época do Brasil Império no município de Rio Preto, é justamente de um veículos destes que os descendentes do fazendeiro, político e benfeitor Thomé dos Santos Brandão utilizava para se dirigirem da Fazenda São Bento à cidade, até as primeiras décadas do século XX.
Os
primeiros automóveis
De
acordo com as recordações dos irmãos Tavares[2],
até o ano de 1927 não havia um só automóvel ou caminhão nos dois lados do rio
Preto. Estradas, só as carroçáveis. Cavalos, tropas, boiadas, carroças e carros
de bois que se dirigiam do “Estado de Minas” (Rio Preto/MG) a caminho da ponte de
ferro, com piso de madeira, percorriam uma pista de chão batido ao adentrarem
o “Estado do Rio” (Parapeúna, distrito de Valença/RJ) na direção da Estação do
Trem, passando por duas porteiras de madeiras que se abriam. Esta única pista
ficava bem no centro de um largo, em que de um lado existia a “Casa Mazêo”
(mesmo prédio onde atualmente funciona a Casa Simões e Cantina da Vovó) e, do
outro, a “Casa Barbosa” (em um prédio que existiu onde atualmente há o imóvel
da Cooperativa Agropecuária). Ambas as casas eram grandes "Armazéns de Secos e
Molhados", e continham nas respectivas frentes uma estreita passarela de pedra para os
pedestres.
Mas antes de falarmos sobre os primeiros automóveis de Rio Preto/Parapeúna, precisamos citar que, em 1885, o primeiro veículo movido à gasolina foi criado; desenvolvido por um alemão chamado Karl Benz, e batizado de Motorwagen.
No Brasil, a história do pioneiro automóvel começa mesmo com a curiosidade de Alberto Santos Dumont, que mais tarde seria conhecido como o pai da aviação. Com o surgimento dos primeiros automóveis na França, por volta de 1891, ele decidiu estudar essa novidade e trazê-la para o Brasil. Então, passou a circular pelas ruas até então esburacadas do país o primeiro veículo movido a gasolina. Era um modelo Peugeot Type 3 Vis-a-Vis, de 1891, conhecido na França como Peugeot Voiturette. O modelo permitia ao carro alcançar 18 km/h. E vale lembrar que a produção da Peugeot havia começado em 1890, apenas com protótipos, e os primeiros carros foram fabricados a partir de 1891.
Mas,
ao contrário do que diria a lógica, este não foi o primeiro carro emplacado em
nosso país. Quem recebeu esta honraria foi o automóvel do conde Francisco
Matarazzo, em 1903, quando já se havia notícias de outros carros rodando no
Brasil.
Em
1901, o industrial José Henrique Lanat importou o primeiro carro a rodar na
Bahia; Francisco Fido Fontana trouxe o primeiro automóvel para Curitiba, em
1903; no mesmo ano, Frederico Guilherme Busch fazia furor com seu Benz pelas
ruas de Blumenau; no Rio Grande do Sul, o dono do Cine Apolo de Porto Alegre,
Januário Greco, resolveu trazer da França um carro DeDion-Bouton, pelo qual
pagou quase cinco contos de réis, em 1906; neste mesmo ano, no início do
governo de Afonso Pena, foram comprados, de fábrica na Alemanha, quatro
automóveis da marca Protos, modelo 17/35 PS Landaulet, que era utilizado pelo
Barão do Rio Branco; um Sedan Rambler, de Julio Pinto, circulava em Fortaleza,
em 1909.
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| Protos 17/35 PS Landaulet - Museu Histórico Nacional Foto: Rodrigo Magalhães |
O
boom no interesse do público fez com que o país recebesse as linhas de montagem
do Ford Modelo T, o primeiro deles em 1919, sendo que a pioneira indústria
automotiva a vir para terras brasileiras foi a Ford Motors Company. Localizada em
um pequeno armazém, apresentava uma linha de montagem especial para o famoso
modelo T, que recebeu carinhosamente o apelido de Ford Bigode.
***
Em
relação ao primeiro automóvel de Rio Preto, novamente nos valemos das preciosas
crônicas de José Antônio Tavares, testemunha ocular do verdadeiro acontecimento
social que foi assistir ao desembarque do pioneiro carro em solo riopretano:
“Numa tarde, como em tantas outras, ainda em idade
pré-escolar, eu apenas perambulava pelos arredores de nossa rósea casa
ferroviária. Súbito, aquele estrondo invulgar e pipocante. Habituado ao
deslizar silencioso das pequenas carruagens, não me dei conta, de imediato, de
que aquela era uma carruagem diferente. Incrível! Não tinha cavalos! Surgia
assim no sétimo distrito o primeiro automóvel a circular na região. Chegara de
trem, em prancha específica, importado pelo Vasco Monteiro. Aquele que seria,
em 1927, o responsável pela abertura da primeira ‘estrada de automóveis’,
ligando Rio Preto à Valença”.
Caminhão Ford 1929, na Faz. Boa Vista, de propriedade de Vasco Maia Monteiro, com os sobrinhos Marco Antônio, Selma, Nelson e Walma, década de 1930 (Acervo Familiar- Helena Oliveira de Paula)
Ratifica a informação de que este veículo teria sido o pioneiro de toda a região o depoimento do fazendeiro e morador de Santa Isabel do Rio Preto, Paulo Fernando Andrade Corrêa da Silva (Poleca), engenheiro automotivo e exímio conhecedor do tema. Ele é colecionador de carros antigos e, entre outros veículos, possui um Ford 1928, modelo A Phaeton, “idêntico ao que Henry Ford doou para Thómas Édson, em 1927” - disse.
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| Ford 1928, de propriedade de Poleca |
Seu pai, o
brigadeiro Cláudio Nery Corrêa da Silva, possuía um modelo deste, ano 1929, e
dirigiu por muitas oportunidades um caminhão Ford V8, ano 1936, que pertencia a Cardoso, Magalhães e Cia., que reunia algumas fazendas da região, como a
Fazenda São Paulo (Cardoso), onde eles residiam.
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| Ford 1936, na Faz. São Paulo (Arquivo Pessoal de Poleca) |
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| Ford A 1929, em Coronel Cardoso (Arquivo Pessoal de Poleca) |
Segundo Poleca, como é mais conhecido, “o carro mais antigo da nossa região, com certeza, foi um Benz de 1914, que em 1964 eu vi na Fazenda Boa Vista, em Parapeúna, de propriedade do Sr. Vasco Monteiro. Ele estava de baixo do paiol, junto com um Ford 1929 e um caminhão 1929” – recorda. De acordo com Poleca, este pioneiro automóvel era um Benz, ano 1914, modelo 20 HP.
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| Modelo idêntico àquele que teria sido o primeiro automóvel de Rio Preto Benz, ano 1914, modelo 20 HP Foto de internet |
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| Ford 1929 que teria pertencido ao Sr. Vasco Monteiro Fotografado recentemente por Ivanilson Souza, na Rua Larga, em Rio Preto |
Em
um surpreendente vídeo da visita do Presidente da República, Washington Luís, à
Fazenda Santa Clara, em 1927, Poleca conseguiu identificar que o Coronel João
Honório já possuía naquela época um caminhão Ford modelo T, além dos três
automóveis Chevrolet 1925, que conduziu a comitiva presidencial da Estação João
Honório até a sede da sua fazenda.
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| Três modelos Chevrolet 1925 e um caminhão Ford T, na Estação João Honório Foto extraída do vídeo da visita presidencial à Faz. Santa Clara, em 1927 |
Consta
que, a seguir, outros moradores de Rio Preto e Parapeúna também adquiriram automóveis, principalmente o modelo Ford A 1929, como por exemplo o comerciante português Miguel Pinto Barbosa,
o fazendeiro Gustavo Monteiro e o advogado Alberto Furtado Portugal. Mas, aos
poucos, outros modelos também passaram a circular pelas ruas da cidade, como o Chevrolet,
Selo de Ouro, ano 1929 (que apresentava capô mais alto, roda de pau e farol
quadrado), que pertenceu ao fazendeiro Francisco Pereira Machado, mais
conhecido por “Chicico Machado”.
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| Chevrolet 1929, dirigido pelo Sr. Chichico Machado Arquivo Familiar de Gustavo Amaral |
Nesse
sentido, escreve José Antônio Tavares, de maneira romanceada e melancólica,
narrando a profunda mudança (na paisagem e nos costumes) ocorrida nas pacatas
povoações de Rio Preto e Parapeúna, após a chegada dos primeiros automóveis que
ele viu desembarcar do trem por essas paragens:
“Com o decorrer do tempo outros carros foram
chegando: chevrolés, baratinhas e fords-bigode. E também os primeiros
caminhões. Sempre desembarcando das pranchas dos trens mistos, composições
ferroviárias com vagões de carga e de passageiros. As carroças e os carros de
bois desapareciam da circulação. A tropa deixava de descer as serras. As velhas
cocheiras cediam lugar às primeiras garagens. O Jorge Peão, ferrador de cavalos
ia, aos poucos, ficando desempregado”.
*
Rodrigo Magalhães, pesquisador, historiador e escritor riopretano.

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